Não encontrou seu remédio na farmácia? Entenda as causas para a escassez

Empresas farmacêuticas, varejistas e entidades do setor também relatam falta de medicamentos; causas passam por atrasos em chegada de insumos de Índia e China

A tempestade perfeita para a falta de medicamentos no país
09 de Setembro, 2022 | 04:04 PM

Bloomberg Línea — Brasileiros que vão a farmácias regularmente já se depararam com a falta de alguns medicamentos essenciais em diferentes cidades do país. A escassez de remédios que estão entre os mais consumidos afeta diversas regiões desde o começo do ano e se intensificou sobretudo nos últimos dois meses, de acordo com entidades do setor, empresas farmacêuticas e varejistas.

Em levantamento a pedido da Bloomberg Línea, a Ultrafarma, gigante do varejo farmacêutico brasileiro, informou que a situação em agosto atingia os princípios ativos Azitromicina, Amoxicilina, Bromexina, Ambroxol e Dipirona, principalmente nas apresentações infantis.

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O balanço mais recente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), entre maio e junho deste ano, relatou ao menos 60 medicamentos em falta em várias regiões do Brasil. No mesmo período, em pelo menos 80% dos municípios respondentes havia falta de alguns medicamentos.

O mesmo documento mencionou a escassez de fármacos como Amoxicilina, Dipirona, Azitromicina, Prednisolona, Ambroxol, Dipirona injetável, Amicacina, Novamox, Deposteron, Noripurum, Adalimumabe; Leflunomida; Infliximabe e Tocilizumabe.

A CNM citou como razões para a falta de medicamentos problemas no fornecimento pelo Ministério da Saúde, movimentos de protesto de funcionários em portos e aeroportos, dificuldades de importação de insumos por causa da guerra na Ucrânia e dos lockdowns na China contra a covid.

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O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), por sua vez, disse que algumas indústrias farmacêuticas associadas à entidade relataram problemas pontuais de fornecimento de medicamentos de uso hospitalar, principalmente por causa de instabilidades no suprimento de embalagens.

O Sindusfarma também citou o que descreveu como “expressivo e atípico aumento de demanda por determinados medicamentos”, como, por exemplo, antibióticos e analgésicos, mas esclareceu que até o momento - no fim de agosto - “não há problemas de fornecimento de insumos farmacêuticos ativos (IFA), citando apenas as informações das empresas associadas à entidade.

Em contrapartida, a associação também disse que, por causa do cenário, “a indústria farmacêutica instalada no país aumentou a produção e a venda de produtos importantes”.

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Efeito dominó

Mário César, diretor comercial da Ultrafarma, afirmou que a demanda funciona de “constante e sem grandes surpresas”, mas que a pandemia foi uma exceção. Ele disse que a empresa atribui a gargalos logísticos da China e da Índia as principais causas para a escassez de medicamentos no Brasil.

Os dois países são os maiores fornecedores de ativos de remédio do mundo e responsáveis por 90% dos Insumo Farmacêuticos Ativos (IFA) do Brasil, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).

Fernando Castro Marques, presidente da União Química, também afirmou em entrevista à Bloomberg Línea que há escassez de produtos pontuais que afetam a farmacêutica e da mesma forma atribuiu o problema a questões de abastecimento dos dois países asiáticos, China e Índia. “Essa é uma grande preocupação. Se não tem um produto, os médicos precisam substituir por outro”, disse.

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Na China, as regras rígidas de circulação para conter o avanço do coronavírus desencadearam um choque em cadeias de suprimentos globais e levaram a situações de caos logístico em portos no mundo.

Puerto de Yangshan

De acordo com informações da Bloomberg News, atualmente 70% dos ingredientes farmacêuticos ativos - ou produtos químicos básicos - que são utilizados nos medicamentos produzidos pela indústria farmacêutica indiana vêm da China.

Para amenizar a dependência, a Índia trabalha em um projeto chamado de Hyderabad Pharma City, que deve atrair pelo menos US$ 8,4 bilhões em investimento. A cidade planejada tem o tamanho de 14 mil campos de futebol e pretende reduzir a dependência de ativos fármacos chineses.

“Boa parte da matéria-prima [para medicamentos] vem da China e da Índia. No nosso caso, o varejo se abastece dos laboratórios, e os laboratórios compram os princípios ativos desses fornecedores asiáticos. Ou seja, há uma quebra na cadeia de suprimentos”, explicou o diretor da Ultrafarma.

No entanto, ele defendeu que não há motivos para alarmismo, uma vez que o mercado e as indústrias estão se ajustando à nova realidade.

Gargalo em máquinas também

Adibe Marques, gerente executivo de Planejamento de Demanda da Cimed, terceira farmacêutica brasileira em volume de vendas, afirmou que faltam também equipamentos de fábrica.

“Só não vamos aumentar nossas receitas e a capacidade produtiva antes por falta de maquinário. Há máquinas que esperávamos para o começo do ano e ainda não recebemos por causa da situação global [de gargalos na cadeia produtiva]”, contou o executivo à Bloomberg Línea.

Marques também apontou a maior demanda e a dificuldade das indústrias de retomar o ciclo de regularização dos estoques como razões do cenário atual de falta de remédios.

Diante do quadro atual, a Cimed decidiu triplicar a produção de alguns medicamentos como xaropes e pastilhas e quadruplicar a de antibióticos.

“Estamos trabalhando em três turnos e contratamos mais de 200 novos funcionários para suportar toda essa demanda”, disse.

Por meio de assessoria, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (Sindhosp), disse ter enviado um ofício aos ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Economia, Paulo Guedes, pedindo providências “principalmente por problemas na importação e na falta de insumos”. A entidade afirma que até o momento não obteve resposta.

O Sindhosp também afirma que não há prazo de regularização dos estoques e que os hospitais do estado têm “se virado”, substituindo medicamentos ou trocando fármacos entre si.

A Bloomberg Línea tentou contato com o Ministério da Saúde sobre o tema via e-mail e mensagem, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

- Com informações da Bloomberg News.

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Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.