Professor cria gigante em edtech no país com aquisição de faculdade

Alura, de Paulo Silveira, fundo Crescera e grupo australiano Seek adquirem o controle da Fiap em aposta em ciclo completo para formação de desenvolvedores

Grupo conta com o fundo Crescera (ex-Bozano Investimentos) e a empresa australiana Seek (dona da Catho) como sócios
18 de Agosto, 2022 | 09:30 AM

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Bloomberg Línea — Formado em ciências da computação, o CEO e sócio-fundador do grupo Alura, Paulo Silveira, diz que sonhava ser professor universitário e pesquisador na época em que cursava o mestrado na Universidade de São Paulo no início dos anos 2000. Mas os seus planos tomaram outro rumo quando ele e seu irmão Guilherme Silveira fundaram em 2004 uma escola de programação chamada Caelum, que, com o tempo, se tornou referência na formação de desenvolvedores e profissionais de tecnologia no país.

Hoje rebatizada de grupo Alura, a empresa cresceu no segmento de edtech e se tornou uma escola de cursos online de tecnologia com 250 mil assinantes. O faturamento dobrou em 2021 e deve crescer 65% neste ano, para aproximadamente R$ 220 milhões.

Com a expansão, Silveira e seus sócios – o fundo de private equity Crescera (antiga Bozano Investimentos, que teve o ministro Paulo Guedes como sócio) e o Seek (grupo australiano dono do site de recrutamento Catho) – amadureceram a ideia de entrar no mercado de educação formal. Eles anunciam nesta quinta-feira (18) a aquisição de uma participação majoritária na Fiap (Faculdade de Informática e Administração Paulista), centro universitário privado com foco na formação em tecnologia e 10 mil estudantes de graduação e pós-graduação, um dos maiores no segmento no país.

O negócio pode dobrar o faturamento conjunto da Fiap e do grupo Alura projetado para 2022, para R$ 420 milhões, e criar um dos maiores grupos educacionais focados no ensino de tecnologia – além de marcar a entrada da Alura no segmento de educação superior.

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A aquisição ainda precisa de aprovação do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Se ela for aprovada, os atuais proprietários da Fiap continuarão como sócios e Gustavo Gennari seguirá na posição de CEO, assim como a atual equipe de executivos e o time acadêmico.

A operação foi financiada pelos atuais investidores do grupo Alura e não teve o valor revelado. O fundo Crescera, liderado por Daniel Borghi e Jaime Cardoso, tem um histórico no setor de educação e foi investidor em outros grupos que abriram capital como Afya (AFYA), Ânima (ANIM3) e Somos Educação - antiga Abril Educação, hoje parte da Cogna (COGN3).

Momento desafiador

A aquisição da Fiap ocorre em um momento em que os grandes grupos de educação enfrentam o desafio de expandir as operações no ensino superior à distância, que têm mensalidades mais em conta, e equilibrar os altos custos para manter a sua operação física, para atender os alunos do ensino presencial. O investimento no online é uma maneira de conquistar alunos enquanto as matrículas dos cursos presenciais, mais caros, não crescem por causa do momento econômico ruim do país e do desemprego ainda alto.

“Vemos um movimento de alunos voltando para o ensino presencial, especialmente nos cursos do setor de saúde, em que o estudante precisa de um um laboratório e de colocar a mão na massa. Em compensação, outros cursos ainda não tiveram uma retomada. No final das contas, as empresas estão se adequando a isso”, diz Henrique Vasconcellos, analista da Nord Research, que acompanha empresas do setor.

Ciclo fechado em lifelong learning

Em entrevista à Bloomberg Línea, Silveira, da Alura, afirmou que o negócio com a Fiap concretiza, em um certo sentido, o seu antigo sonho de atuar no setor universitário e disse esperar fazer com que as empresas subam de patamar.

“Todo mundo conhece o Insper. Todo mundo conhece a FGV. Todo mundo conhece a PUC. Por que todo mundo não conhece a Alura e a Fiap? Sempre fomos muito humildes. Mas é hora de mostrar o nosso tamanho, nossa relevância e história”, disse o CEO, de 42 anos, que ainda hoje trabalha também como desenvolvedor em alguns momentos. Ele disse que faz questão de incluir, ele próprio, o logotipo da Fiap no código-fonte do site do grupo Alura nesta quinta.

Para Silveira, a aquisição da Fiap permite que a Alura atue em momentos diferentes da formação de um profissional de tecnologia – oferecendo desde cursos básicos de programação e especialização na área de tecnologia a uma formação universitária mais completa, passando também por treinamentos e atualização. “O negócio [com a Fiap] fecha o ciclo de lifelong learning de verdade. A gente enxerga que vai preencher todos os slots temporais [de aprendizado] pelos quais o profissional de tecnologia pode passar.”

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Vasconcellos, analista da Nord, avalia que a lógica seria um grupo de educação tradicional adquirir a operação de uma empresa com foco no online, e não o contrário, como no negócio entre a Alura e a Fiap. Ele vê algumas hipóteses para a aquisição por parte da Alura: ter um espaço físico que possa atender também os alunos dos cursos à distância, a possibilidade de oferecer cursos online complementares para os estudantes da graduação ou da pós-graduação e, principalmente, usar a credibilidade da marca de ensino superior para crescer.

“A ideia da Alura me parece ter a marca e a credibilidade [da Fiap] e conseguir fazer o cross-selling com os alunos. Por exemplo: o estudante está fazendo um curso de programação, mas quer virar um desenvolvedor especializado em C++ e faz um curso à parte oferecido pela Alura, com desconto”, afirma Vasconcellos. “A vantagem para a empresa é que pode vender dois produtos para um cliente que só estaria pagando por um.”

Segundo o Silveira, o crescimento da Alura tem sido impulsionado pelo segmento corporativo, que já representa mais da metade da receita bruta, com cursos e treinamentos personalizados para funcionários. A aquisição deve permitir a oferta de cursos com as duas marcas Fiap e Alura e ajudar na expansão dos cursos à distância da Fiap, para que a marca ganhe relevância também fora de São Paulo, onde tem três unidades.

O executivo reconhece que a formação universitária não é um pré-requisito hoje para trabalhar como desenvolvedor mesmo nas grandes empresas e que, muitas vezes, os profissionais acabam buscando cursos de curta duração para se atualizar – o que é um desafio para o crescimento do negócio da Fiap nos próximos anos.

No entanto ele defende que a formação universitária continua sendo relevante, principalmente para que o profissional continue se desenvolvendo na carreira e busque cargos e posições mais altas nas empresas. “No longo prazo, ter uma faculdade é, sim, relevante. É só em uma faculdade de análise de sistemas, de processamento de sistemas da informação, de inteligência artificial e cibersegurança, que o aluno vai ter a base suficiente se quiser realmente ir a fundo na carreira”, afirma.

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Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.