Por que o Itaú decidiu comprar a Avenue e o que vem a seguir?

Mercado de investimentos de brasileiros no exterior pode ser multiplicado por dez, avalia Carlos Constantini, diretor de wealth management do Itaú

Venda do controle da Avenue para o Itaú ocorre no contexto de maior diversificação de investimentos dos brasileiros, que buscam aplicar em ativos norte-americanos
08 de Julho, 2022 | 04:48 PM

São Paulo — O maior interesse dos brasileiros de alta renda no segmento de varejo em investir em ativos do mercado norte-americano, impulsionado pelas facilidades de autoatendimento em aplicativos de fintechs e bancos digitais, compõe o contexto do anúncio de acordo de compra da corretora Avenue pelo Itaú Unibanco (ITUB4), maior banco privado do Brasil, segundo executivos das duas companhias.

A transação, anunciada nesta sexta-feira (8) e ainda pendente de aprovações regulatórias, deve levar outros bancos tradicionais a seguirem o mesmo caminho, previu o analista Victor Bueno, da Nord Research, à Bloomberg Línea.

“‘Bancões’ como Bradesco (BBDC4), Santander (SANB11) e BTG Pactual (BPAC11) terão agora de se movimentar, de olho nessa tendência dos brasileiros de abrir contas globais para diversificar seus investimentos migrando para o mercado norte-americano, visto como mais seguro e promissor, até pelo atual momento negativo da nossa Bolsa e nosso cenário de incertezas”, disse Bueno.

Concorrentes da Avenue, a corretora Passfolio e a fintech Nomad podem virar alvos de aquisição dos bancos tradicionais, segundo o analista da Nord. Ele lembra que bancos digitais como o C6 Bank e Inter (INTR) já disputam esse mercado de contas globais, de olho em brasileiros que moram nos EUA e nômades digitais que buscam também serviços de transferências internacionais sem burocracia.

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“No primeiro momento, devemos ver mais clientes do Itaú abrindo contas na Avenue do que o contrário, dependendo dos benefícios que serão oferecidos no futuro pelo banco. Quem vê que o Itaú comprou a Avenue vai se sentir mais seguro de colocar seu dinheiro na corretora. O negócio com o Itaú dá essa confiabilidade à Avenue”, avalia Bueno.

O acordo ocorre após o Itaú Unibanco perceber um movimento maior e gradual de transferências de recursos de seus clientes para contas abertas na Avenue, segundo Carlos Constantini, responsável pela área de WMS (Wealth Management Services) do conglomerado financeiro.

É óbvio que já percebemos transferências crescentes em nossa base de clientes, mandando recursos para a Avenue, mas este deal não é um movimento defensivo para evitar essas transferências. É mais uma oportunidade de no futuro participar do crescimento dessa indústria. Acreditamos que essa será uma linha de negócios crescente e que outros produtos virão. Queremos estar à frente desta indústria”, disse Constantini, durante videoconferência com jornalistas nesta sexta.

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O que muda nas próximas semanas

Roberto Lee, CEO e fundador da Avenue, revelou o que deve mudar para os usuários do aplicativo da corretora após o anúncio do acordo com o Itaú.

Prevemos para daqui a algumas semanas, e já não mais meses, as funcionalidades para que transferências externas possam acontecer e comecem entre contas da mesma titularidade devido aos mecanismos de prevenção da lavagem de dinheiro que nós prezamos tanto por aqui”, disse Lee.

Atualmente, os usuários do app da Avenue são autorizados apenas a realizar transferências de recursos entre si. O app informava a previsão genérica “em breve” para a liberação para os clientes da opção de transferências internacionais com outras instituições.

Em algumas semanas, devemos começar as conexões com a ACH [Automated Clearing House, câmara americana de compensação automatizada]”, acrescentou o CEO da Avenue, citando o sistema de transferência eletrônica de fundos que facilita os pagamentos nos EUA.

Lee disse que a corretora vai reforçar sua infraestrutura e controles internos e acelerar a expansão da prateleira de serviços, um movimento iniciado nos últimos trimestres com acesso dos clientes a fundos de investimentos distribuídos nos EUA, ligados a gestoras gigantes como BlackRock e Pimco.

“Temos hoje uma prateleira bastante completa. No primeiro semestre, lançamos uma plataforma de renda fixa, com bonds que dão acesso a uma infinidade de títulos de renda fixa, uma inovação para o público de varejo de alta renda. Lançamos acesso a portfólios de criptomoedas geridos aqui nos EUA”, diz Lee, que vive há cerca de cinco anos em Miami, na Flórida.

O plano de expansão da Avenue inclui também a futura oferta de produtos de crédito e de seguros, segundo o CEO.

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Integração

O diretor de gestão de fortunas do Itaú Unibanco disse que a integração da Avenue vai envolver sua plataforma de investimentos Íon, que exibirá a logomarca da corretora para acesso dos usuários cadastrados. Até a obtenção do aval regulatório, há limites, ele lembrou, para essa integração.

“Ainda é cedo para falar qual vai ser o nível de penetração. No mundo private, já vimos o aumento gradual de exposição de nossos clientes a ativos internacionais, que planejam uma diversificação, pois têm mais sobras, reservas e familiaridade para isso, e foi de 25%. Não acho que o mundo varejo vai buscar esses 25% de diversificação no curto prazo”, avaliou Constantini.

Lee citou, por sua vez, que a safra de clientes mais antigos da Avenue, com maior tempo de conta ativa, aponta para uma taxa de penetração de 15% a 20% nos portfólios declarados nos cadastros. Segundo Constantini, o tamanho do segmento de investimentos de brasileiros no exterior tem potencial “gigantesco” de ser multiplicado por dez no futuro.

Sem revelar nomes, Constantini deu a entender que a Avenue foi cobiçada por outra instituição. “Não fomos os únicos que bateram na porta do Lee”, afirmou o diretor.

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O negócio prevê o pagamento de R$ 493 milhões por 35% do capital total da Avenue, sendo R$ 160 milhões em um aporte na corretora e o restante por meio de aquisição secundária de ações. Depois de dois anos, o Itaú Unibanco vai comprar 15,1% por um valor a ser determinado a partir de um múltiplo de receita ajustada pré-definido, chegando a 50,1%.

Lee não descartou a possibilidade de realização de uma oferta inicial de ações (IPO) no mercado americano, como cogitava antes do anúncio da venda do controle.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.