Sequoia: ‘Estamos dizendo às empresas: não é sua culpa, mas é seu problema’

Dados da CB Insights mostram que não apenas a quantidade de cheques diminuiu neste segundo trimestre mas os aportes estão menores

Mercado continua a testemunhar desaceleração no número de investimentos de venture capital
27 de Junho, 2022 | 04:02 PM

Bloomberg Línea — No mês passado, a Sequoia, uma das maiores empresas de capital de risco do Vale do Silício, disse às empresas investidas de seu portfólio que se preparassem para “um momento decisivo” em que a disponibilidade de dinheiro deve diminuir e que os bons tempos não apenas acabaram, mas não se sabe quando eles vão voltar.

A empresa comandada por Doug Leone é um dos maiores acionistas do Nubank e pediu aos fundadores que fizessem “o exercício do corte”; na semana em que a declaração foi feita, startups demitiram centenas de funcionários na América Latina.

“Estamos dizendo às empresas para abraçar a realidade. Não é sua culpa, mas é seu problema”, disse Michelle Bailhe, sócia da Sequoia Capital, durante o Bloomberg Tech Summit realizado em San Francisco neste mês. Mesmo assim, recentemente, o CEO do Nubank David Vélez disse à Bloomberg Línea que não vê motivo para demissões em massa na fintech.

Michelle Bailhe, sócia na Sequoia Capitaldfd

Globalmente, as startups apoiadas por capital de risco tiveram 23% menos deals no segundo trimestre de 2022 em comparação com o primeiro trimestre deste ano, de acordo com dados da CB Insights até 23 de junho. Na comparação do primeiro trimestre com o último de 2021, os aportes caíram 1,4%.

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Alguns capitalistas de risco disseram que, ainda que importantes investidores em estágio avançado, como a Sequoia, tenham dinheiro para investir neste ano, eles estão migrando para empresas em estágios iniciais, em que os custos de participação são menores. Bailhe disse que a Sequoia teve “ótimas reuniões com empresas maravilhosas em estágio inicial com as quais estamos muito empolgados”.

Desaceleração atinge investimento de risco | O número de acordos de financiamento de startups está caindo em todos os estágiosdfd

Os dados da CB Insights confirmam que não apenas a quantidade de cheques diminuiu mas os aportes estão menores, com o valor total do financiamento destinado às startups no trimestre atual caindo 27% em relação ao primeiro trimestre de 2022.

Anna Piñol, sócia da NFX ventures com sede em São Francisco, disse à Bloomberg Línea que fundos conhecidos - como Sequoia e Tiger Global - estão caminhando para o early stage há algum tempo.

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Tempo de execução

“Alguns fundos são mais como ‘spray e pray’ em todos os lugares. A nossa tese é de maior diligência e, uma vez que estamos convencidos, estamos todos dentro. A pergunta mais importante que fazemos às nossas empresas é ‘por que agora?’, o que está acontecendo agora que torna isso possível? A realidade é que ninguém é tão especial sobre uma ideia que ninguém nunca teve antes. Em geral, se você tem a ideia, o que importa é quão rápido você pode executá-la se houver uma oportunidade”, disse Piñol.

Se o tempo é um campo competitivo para os fundadores, também é para os capitalistas de risco. E é por isso que fundos hedge como a Tiger conseguiram abocanhar uma parte significativa das startups em todo o mundo.

Alguns investidores familiarizados com o assunto disseram à Bloomberg Línea que a estratégia da Tiger era abordar os fundadores com um cheque maior avaliando a startup a um valuation maior do que seus pares de VCs e concedendo os recursos mais rapidamente.

A CB Insights disse que a Tiger Global apoiou mais startups do que qualquer investidor no ano passado. Como agora os valuations inflados pela própria Tiger são muito altos para se bancar, a CB Insights informou que a empresa está se afastando do estágio final e se aproximando de cheques menores.

“A concorrência provavelmente reduzirá até certo ponto a quantidade de diligência porque o tempo é uma das áreas de competição, e nos últimos anos no mercado havia um grande número de fundos hedge ou de estágio avançado que estavam se movendo para estágios iniciais. E muitas vezes eles têm mais recursos para a diligência”, disse Miriam Rivera, CEO e cofundadora da Ulu Ventures, com sede em Palo Alto, em entrevista à Bloomberg Línea.

Recentemente, o Business Insider publicou um relatório dizendo que a Tiger pagava mais de US$ 100 milhões por ano à Bain and Company para ajudar a empresa a se mover mais rapidamente com diligência do que seus rivais.

“Somos muito rápidos, mas acho que temos uma equipe menor, então não podemos agir tão rápido quanto algumas dessas empresas que podem jogar muitas pessoas para fazer a diligência. As pessoas estão tentando fazer a diligência muito mais rápido e isso, claro, cria algum risco. Você acaba não tendo tempo de perseguir cada pensamento, tomando decisões com menos informação”, disse a chefe da Ulu, que atualmente tem cerca de 10 unicórnios no portfólio.

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Enquanto isso, a sócia da Sequoia disse que cada empresa é diferente, e a Sequoia trabalha com empresas desde a Seed até quando elas se tornam empresas públicas.

“Estamos dizendo às empresas que reconheçam que o ambiente mudou, o custo de capital mudou, então é preciso se planejar para essa realidade. Algumas empresas realmente aumentarão seus gastos porque precisam atrair talentos e outras precisam recuar. Não desperdice uma boa crise. Aproveite isso para ampliar sua vantagem e sair ainda mais forte”, disse Bailhe, no Bloomberg Tech Summit.

Demissões afetam moral da empresa

Agora, o impacto é maior para o estágio final, com as rodadas da Série D caindo 43% no trimestre, de acordo com a CB Insights.

Só na última sexta-feira (24), cerca de 100 funcionários no Brasil foram demitidos, das startups Descomplica e Hash, segundo o site Layoffs Brasil. A Descomplica levantou cerca de US$ 86 milhões do SoftBank em uma Série E em fevereiro do ano passado.

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A Hash, fintech brasileira que captou US$ 40 milhões em uma rodada da Série C da QED Investors e da Kaszek em outubro de 2021, disse, que diante do cenário econômico adverso, a empresa precisava se reestruturar, cortar custos e parte de sua equipe.

“A Hash segue comprometida em apoiar as pessoas colaboradoras afetadas, ajudando em sua recolocação profissional”, disse em comunicado à imprensa.

A Ulu Ventures tende a se concentrar em software B2B, mas cerca de 20% de seus investimentos vão para fintechs.

Escritório da Sequoia Capital em Menlo Park, na Califórnia. Photographer: David Paul Morris/Bloombergdfd

Rivera diz que a causa das demissões para muitas empresas é a volatilidade nos mercados públicos. “A inflação aumenta o custo dos funcionários e dos insumos nas startups. Ainda não sabemos quão ruim será a situação e isso tem um impacto maior nas fintechs porque elas tiveram avaliações mais altas, mas também gastam mais dinheiro. Muitas dessas fintechs têm que reduzir custos para que possam passar os próximos 12 a 18 meses e realmente bancarem a avaliação que já possuem”, disse a investidora.

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“Muitas fintechs estavam sendo avaliadas com base no crescimento, mas agora a métrica é quanto dinheiro será necessário antes que o break even seja alcançado. Eu já passei por recessões. Em geral, prefiro não demitir pessoas”, disse.

Rivera foi vice-presidente e conselheira geral do Google quando a bolha da tecnologia estourou em 2001. “Podíamos contratar mais pessoas talentosas por menos dinheiro, podíamos obter instalações mais baratas e também podíamos reduzir nosso custo de produção em termos de data centers que estariam disponíveis. Os maus momentos são muitas vezes oportunidades”, contou.

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No Google, ela diz que a empresa cresceu principalmente de forma orgânica e que sempre estava atrás da curva em termos de contratação.

“Acho que, do ponto de vista do empregador, você constrói mais confiança e credibilidade se puder reter as pessoas durante tempos difíceis. Afeta a moral e as equipes se você tiver demissões, especialmente se não for alguém que está fazendo um trabalho ruim e foi demitido”, disse a investidora.

Para Rivera, a Ulu Ventures não é movida tanto pelo percentual de participação quanto é por múltiplos esperados com o investimento.

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“Temos uma metodologia para fazer investimentos: levamos nossos fundadores para processar o mapeamento de mercado e tentamos fazer uma análise fundamental da oportunidade de mercado à frente deles. Então conectamos isso com dados sobre como sair e diluição de múltiplos devido ao estágio em que investimos. Também quantificamos nossos julgamentos sobre risco de adoção de mercado, desenvolvimento de produto, risco de equipe e também risco de financiamento”, disse.

“Queremos trabalhar com fundadores que desejam criar um negócio duradouro que possa ser bem-sucedido por muito tempo. Uma avaliação de um bilhão de dólares deve ser apenas um passo para um bilhão de dólares em geração de receita. Os funcionários confiam em suas empresas. Esperamos que os fundadores demonstrem algum respeito pelas pessoas que trazem para a empresa e que confiam suas carreiras a eles.”

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups