Por Gino Matos para Mercado Bitcoin
São Paulo — Portugal carrega o título de “paraíso fiscal” dentro do mercado de criptomoedas, ao lado de países como Suíça, Porto Rico e El Salvador. A menos que o investidor seja considerado um trader profissional, a compra e venda de criptoativos é isenta de impostos. Isso levou empresas a enxergar no país um crypto friendly. Isso, no entanto, pode mudar.
Fernando Medina, ministro da economia do país, disse, em meados de maio, que Portugal passará a taxar transações com criptomoedas. Embora o início da medida não tenha data prevista, investidores do mercado cripto ao redor do mundo voltaram suas atenções para o país europeu. Para entender melhor o impacto da medida, é preciso conhecer um pouco o funcionamento da estrutura tributária do país em relação às moedas digitais.
Tributação por analogia
Para que uma transação com criptomoeda não seja tributada em Portugal ela não pode ser feita por um investidor que tenha nessa atividade sua profissão. Pedro Borges, CEO da exchange CriptoLoja, diz que o reconhecimento da operação como casual ou não se dá por meio da análise da vida do investidor. Caso não tenha profissão e os únicos ganhos ocorram através da venda de criptoativos, é provável que as transações sejam alvo de impostos.
Borges classifica a legislação tributária aplicada ao mercado cripto como “simples e generalista”. Susana A. Duarte, advogada do escritório Abreu Advogados, compartilha dessa visão. Ela diz que a não tributação vista em Portugal não se dá por escolha do legislador, mas em razão da ausência de regras específicas. Aplicam-se então, por analogia, as regras tributárias utilizadas no mercado de valores mobiliários.
Tais regras preveem que, se a atividade de compra e vende de criptomoedas estiver dentro de uma ocupação profissional, uma alíquota única de 28% será cobrada na forma de tributo, aponta a advogada. É possível que essa regra, contudo, passe por alterações após a aprovação do Orçamento de Portugal para 2022, ainda em discussão no país.
“O saldo positivo entre os ganhos e perdas mobiliárias passa a ser obrigatoriamente englobado. Ou seja, ele deixa de ser tributado à taxa fixa de 28% para ser somado aos demais rendimentos, e tributado a taxas progressivas, que vão até 48%”, comenta Susana sobre as possíveis alterações na legislação fiscal para valores mobiliários.
As taxas progressivas mencionadas pela advogada serão aplicadas sempre que, cumulativamente, os ativos tenham ficado em posse do investidor por um período inferior a 365 dias, e o rendimento seja superior a € 75.000.
O que esperar das mudanças
Em 26 de maio, o Congresso português rejeitou dois projetos de lei que previam a tributação das transações com ativos digitais que ultrapassassem € 5.000. Tais propostas, no entanto, não estão relacionadas aos planos do Ministro da Economia de Portugal. Segundo Susana, esses planos ainda não foram divulgados.
“Até ao momento, apenas foi anunciado pelo Ministro das Finanças que Portugal adaptará a legislação e a tributação sobre as criptomoedas. O objetivo é evitar as lacunas que permitem que os ganhos obtidos por meio desses ativos não sejam tributados.”
A advogada ressalta ainda que não se sabe se os tokens não-fungíveis (NFTs) e os ganhos obtidos via renda passiva no ambiente de finanças descentralizadas serão tratados na reforma tributária do mercado cripto português. Assim, ainda é cedo para dizer quais mudanças serão feitas na legislação portuguesa.
País seguirá forte no mercado cripto
Com o fim das transações de moedas digitais sem impostos se aproximando, é possível que Portugal perca o apelo para empresas e investidores? Borges salienta que “já era de conhecimento geral que a lacuna tributária não poderia existir para sempre”.
Susana comenta que a ausência de enquadramento tributário gera, necessariamente, incerteza em investidores. Nesse sentido, ambos compartilham o entendimento de que um conjunto de regras claras sobre a tributação de transações com criptoativos pode ser benéfica para o país.
“Acredito que Portugal criará uma regulamentação justa e cuidadosa, sem generalizar conceitos e criptoativos. Isso dará ainda mais credibilidade e segurança para o mercado cripto no país, sendo algo muito positivo, se for uma proposta bem construída”, diz Borges.
“Portugal se tornou um país amigável às criptomoedas, o que atraiu investidores. Isso levou até Portugal investimentos, conhecimento em diferentes áreas tecnológicas e ainda gerou empregos. Cabe ao legislador encontrar um equilíbrio entre a definição do quadro tributário e a concessão de incentivos ao setor de criptomoedas”, conclui Susana.