Compromisso de sustentabilidade das multinacionais também deve cruzar fronteiras

Países em desenvolvimento precisarão de recursos para sanar problemas ambientais causados por multinacionais com sede em países desenvolvidos

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Bloomberg Opinion — O crescimento da Índia nos próximos anos provavelmente será ocasionado pelo grande impulso de infraestrutura do governo. O setor da construção representa quase um décimo da economia do país. A Índia é o segundo maior produtor de cimento do mundo.

Assim, parece um momento esquisito para uma gigante do setor de cimento deixar o país. No entanto, aparentemente é isso que a Holcim, da Suíça – maior produtora de cimento do mundo – está planejando fazer.

Também não seria a primeira decisão do tipo a ser tomada recentemente. Em setembro do ano passado, a Holcim vendeu suas operações no Brasil por US$ 1 bilhão. A CRH, com sede em Dublin, vendeu suas operações no Brasil em 2020 e, antes da pandemia, aparentemente estava buscando compradores para sua subsidiária nas Filipinas.

Poderíamos considerar essa tendência um sinal de maturidade para os players de mercados emergentes. Diz-se que a Adani Enterprises juntou US$ 13,5 bilhões em sua oferta para assumir a participação da Holcim na Ambuja Cements e na ACC. Os ativos brasileiros da Holcim foram comprados pela siderúrgica CSN (CSNA3). Quando o negócio receber a aprovação final dos reguladores, a CSN será a segunda maior produtora de cimento do Brasil.

A Adani e a CSN ou suas equivalentes (não as multinacionais dos países desenvolvidos) poderão colher os frutos do crescimento em seus mercados domésticos. Enquanto isso, essas empresas ocidentais podem quitar algumas dívidas e focar em seus próprios mercados, que também estão a todo vapor após os gigantescos pacotes de estímulo pela pandemia.

Mas não é só isso. Boa parte do motivo pelo qual as saídas de mercados emergentes parecem atraentes é que elas ajudam as empresas ocidentais em setores de difícil transição, como os de aço e cimento, a atingir metas de sustentabilidade cada vez mais agressivas – e, convenientemente, explorar novos fundos de capital. Em setembro de 2020, a Holcim se comprometeu com uma redução de mais de 20% na intensidade de CO2 até 2030 e, além disso, com um “futuro de 1,5°C de aquecimento”. Um mês depois, a empresa anunciou uma emissão de títulos vinculados à sustentabilidade no valor de 850 milhões de euros.

No mundo desenvolvido, as promessas corporativas de zero líquido, como a adotada pela Holcim, são cada vez mais favoráveis tanto para investidores ativistas quanto para gerentes ambiciosos. E elas se tornaram formas cruciais para que investidores institucionais e outros impusessem uma disciplina relacionada ao clima nas empresas, mesmo em setores que há muito eram resistentes às mudanças. Títulos verdes são uma recompensa, mas as revoltas de acionistas são um problema.

No entanto, essa estratégia realmente reduzirá as emissões globais? Ou simplesmente levará as empresas ocidentais a abandonar os gigantes dos mercados emergentes, como Índia e Brasil, que são os verdadeiros campos de batalha contra o crescimento das emissões?

Com o tempo, essas decisões podem diminuir as perspectivas de um futuro líquido zero, em vez de aumentá-las. A descarbonização de setores de difícil transição, como o de cimento, exigirá dinheiro e tecnologia. Embora as empresas locais estejam tão comprometidas com um futuro de zero líquido quanto suas contrapartes ocidentais, o fato é que elas terão mais dificuldade em acessar esses recursos.

Por um lado, os governos de mercados emergentes não têm recursos para ajudar ao subsidiar adequadamente a pesquisa e o desenvolvimento. Como consequência, as siderúrgicas indianas, por exemplo, gastaram consistentemente muito menos em P&D quando observamos a proporção de sua receita do que suas contrapartes da OCDE.

Por outro lado, o gigantesco acordo de sustentabilidade da Europa inclui muito dinheiro para promover a inovação de baixo carbono no mercado doméstico. Apenas no mês passado, a Comissão Europeia distribuiu 1,1 bilhão de euros para sete desses projetos – dois dos quais visavam reduções de emissões em aço e cimento (o beneficiário no setor de cimento era uma subsidiária francesa da CRH, a Eqiom).

Suponha que alguma dessas promessas acabe sendo cumprida. Se realmente almejamos um “futuro de aquecimento de 1,5°C”, como todas essas promessas, as inovações precisarão ser implantadas rapidamente, em escala e globalmente, não apenas na Europa e na América do Norte. E como isso vai acontecer se as empresas com maior probabilidade de desenvolver e deter essas inovações abandonaram os mercados onde elas são mais necessárias?

Investidores ativistas de olho no “greenwashing” precisam ter cuidado com as consequências não intencionais de suas escolhas. As empresas precisam ser recompensadas por reduzirem as emissões em escala global, não por reduzirem suas ambições para focar nas regiões onde a fabricação mais ecológica é mais fácil. E os fundos que alegam se dedicar a investir em projetos de baixo carbono precisam começar a avaliar empresas que operam em lugares como Brasil e Índia. A menos que as fábricas do mundo emergente tenham acesso ao dinheiro e ao know-how de que precisam, o desenvolvimento de baixo carbono permanecerá fora de alcance – assim como um mundo de aquecimento de 1,5°C.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Mihir Sharma é colunista da Bloomberg Opinion. Membro sênior da Observer Research Foundation em Nova Delhi, ele é autor de “Restart: The Last Chance for the Indian Economy”.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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