Bancos centrais da América Latina seguem mais agressivos que o Fed

Veja como diferem as abordagens do Banco Central do Brasil e do Fed quanto ao aumento de taxas e inflação

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Bloomberg — Em se tratando de inflação, as maiores economias da América do Norte e do Sul parecem estar no mesmo nível. Em se tratando das taxas de juros, parecem estar em planetas diferentes.

O Banco Central do Brasil deve subir a taxa Selic em 1,00 ponto percentual, levando-a para 11,75% nesta quarta-feira (16), fazendo com que os saltos somados ao longo do último ano cheguem a 9,75 pontos percentuais. No mesmo dia, o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos – que manteve o juro básico próximo de 0% desde a chegada da Covid-19 – deve anunciar um aumento de 0,25 ponto percentual.

Os números refletem a diferença nas abordagens contra a inflação pandêmica na América Latina e nos EUA.

Em São Paulo, o mercado entende que a elevação do preço do petróleo significa inflação mais alta, então intensificou as apostas em aumentos de juros mais agressivos. Economistas agora esperam que o Banco Central vá mais longe no ciclo de aperto do que há um mês, antes de a Rússia atacar a Ucrânia.

O que diz a Bloomberg Economics

“O Banco Central tem obstáculos importantes a serem superados. A alta dos preços do petróleo levou a Petrobras a anunciar aumentos de dois dígitos nos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha. Isso levou o governo a anunciar medidas para mitigar essas pressões, mas a um custo fiscal significativo. Isso se soma à inflação alta e disseminada e a expectativas de inflação desancoradas e crescentes.”

-- Adriana Dupita, economista da Bloomberg Economics para a América Latina

As expectativas de inflação também subiram nos EUA desde o início da guerra – mas por lá, a reação inicial do mercado foi bem diferente. Os investidores deram um passo adiante, raciocinando que a inflação mais alta vai prejudicar o consumo e frear o crescimento econômico. Então, as apostas em acréscimos de juros pelo Fed foram reduzidas.

Oscilação do petróleo

O quadro ficou mais nebuloso desde então. As expectativas de elevação de juros pelo Fed voltaram para onde estavam há um mês. A cotação do petróleo despencou em relação ao pico atingido logo após a invasão – em parte devido às novas medidas de lockdown contra a disseminação da covid na China, que implicam riscos para a demanda e para as cadeias de suprimentos globais.

Nos EUA, os títulos desabaram na segunda-feira (14) devido à combinação de pressões inflacionárias crescentes e aperto monetário iminente. No Brasil, as expectativas para a inflação no fim do ano subiram 0,80 ponto percentual e as estimativas para a Selic avançaram em 0,50 ponto na pesquisa Focus realizada pelo BC na última semana.

Há muitos motivos para que as autoridades da América Latina — onde o aperto monetário está em andamento desde meados de 2021 – respondam de maneira diferente das autoridades dos EUA a um choque de preços.

No Brasil, considerado um mercado emergente volátil, a hiperinflação é memória recente. Há também riscos de fuga de capitais e de colapso do real. As autoridades tendem a agir diante do primeiro sinal de aumento dos preços, mesmo que isso signifique desaceleração da economia. No ano passado, o país entrou na segunda recessão do período de pandemia.

Nos EUA, uma economia desenvolvida e estável, a preocupação na última década foi a oposta, de que a inflação poderia estar baixa demais.

Motivo para temer?

Ainda assim, o aumento dos juros ocorre em um momento em que os problemas de inflação são bastante parecidos. A inflação em 12 meses no Brasil subiu de 4% no início da pandemia para 10,5%. Nos EUA, saltou de 2,3% para 7,9%. E as causas do aumento de preços são semelhantes.

É possível que cada país tenha escolhido o caminho certo para seu contexto – e que tenha lições a ensinar ao outro.

Henrique Meirelles, que ocupou a presidência do BC pelo período mais longo da história recente, acha que o Fed acabará se movimentando pelo menos um pouco na direção da decisão adotada pelo Brasil.

“O Fed poderia subir juros mais fortemente”, disse Meirelles, que elevou a Selic para 26,5% logo após assumir o cargo em 2003 como forma de conter a inflação, tendo espaço alguns anos depois para reduzir os juros para os menores níveis já vistos.

“Não há razão para o Fed temer desaquecer a economia”, disse ele. “Estamos falando de aumento da inflação clássico, que é um aumento de inflação por excesso de demanda, isenção fiscal, etc, e tudo isso que está acontecendo na economia americana e que a maneira de combater isso é de fato esfriando um pouco a economia e aumentando juros.”

Mas em uma economia global atingida por um choque após o outro, José de Gregorio, que comandou o Banco Central do Chile durante a crise financeira de 2008, vê mérito na abordagem de reagir às informações que vão chegando.

“A América Latina não pode parar o aperto”, disse ele. “Mas a resposta adequada aos níveis atuais de incerteza global seria esperar.”

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