Opinión - Bloomberg

Dragão da inflação assusta a todos, mas principalmente os mais velhos

Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência: mais jovens não entendem medo dos mais velhos quando se trata de alta nos preços

Jovens acreditam que preocupação em demasia com o aumento de preços é exagero; no entanto, o fazem porque não viveram os períodos de impotência enquanto a moeda perdia seu poder de compra
Tempo de leitura: 6 minutos

Bloomberg Opinion — Para os americanos com menos de 50 anos, a inflação é mais do que um conceito teórico. Para quem nasceu no fim dos anos 50 e nos anos 60, a inflação dos anos 70 foi uma experiência pela qual ninguém quer passar novamente. Ela fez parte da nossa infância tanto quanto a Covid para as crianças de hoje.

Sempre esteve ali, pairando. Ocasionalmente, ela recuava, apenas para voltar pior do que antes. A inflação era um fato da vida às vezes inquietante, às vezes aterrorizante.

Nos Estados Unidos, todos que viveram a época se lembram da disparada dos preços da gasolina, acompanhada de escassez, racionamento e longas filas nas bombas. Mas a inflação nunca acomete um único produto ou setor. É um fenômeno que abrange toda a economia. Os preços do gás subiram vertiginosamente, mas outros preços não caíram com a mesma intensidade.

No final dos anos 70, Tom Noonan, então com cerca de 20 anos, trabalhava em um supermercado Winn-Dixie em Louisville, estado de Kentucky. Seu trabalho era alterar as etiquetas de preços algumas vezes por semana. Ele passava pela loja com um estilete e uma etiquetadora, cortando preços antigos e aplicando os novos (e mais altos). É uma das memórias dos anos 1970 que veio de meus amigos do Facebook quando perguntei sobre suas experiências.

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Nem todas as lojas eram cuidadosas assim. Muitas só colocavam os novos preços em cima dos antigos. “Eu me lembro de arrancar a etiqueta com os preços mais altos a fim de pagar menos; nem percebia que estava fazendo algo errado ou ilegal”, confessou Mike Schiffer, gerente de TI da faculdade de direito nascido em 1968, naquela conversa no Facebook. “Eu não acho que entendia muito bem como os preços eram estabelecidos ou alterados na época”.

Lembro-me de fazer compras com minha mãe no início dos anos 1970, quando o preço da carne moída continuava subindo: de 89 centavos a libra (aproximadamente meio quilo) para 99 centavos e depois para US$ 1,09 e até US$ 1,19. Em abril de 1973, aderimos a um boicote à carne que durou uma semana. Mas como muitos participantes, minha mãe trapaceou e fez alguns pratos com carne adquirida na semana anterior.

O boicote foi uma combinação mal planejada de teoria econômica, ativismo teatral e um grito de socorro das donas de casa. “Devalue Pot Roast Not Dollars!” (“desvalorizem a carne, não o dólar”, em tradução livre) dizia um cartaz de um protesto mostrado na primeira página do New York Times. Em resposta, o presidente Richard Nixon impôs controles de preços mais rígidos sobre a carne. Na época, um dos produtos que se popularizou demasiadamente, foi o macarrão instantâneo Hamburger Helper – uma refeição pronta com massa, molho e carne desidratada.

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Quando estava na escola, monitorando os preços da carne e costurando as próprias roupas, Bill Meagher era um consumidor de 10 anos da Filadélfia que reclamava de uma iguaria local. O preço de sua guloseima favorita só aumentava. Então, ele escreveu uma carta reclamando para o presidente da empresa que fabricava o doce. Meagher lembra que, para seu espanto, ele recebeu uma resposta “explicando a inflação em termos muito simples”.

Do outro lado do país, em Turlock, na Califórnia, Mary Hodder, de 5 anos, descobriu que sua mesada semanal de cinco centavos não comprava mais uma barra de chocolate. Agora, o chocolate custava 10 centavos. “Com cinco anos, só conseguia pensar ‘mas COMO isso aconteceu?’”, disse em uma mensagem de texto. “Meu pai me explicou sobre inflação. Com cinco anos, eu pensava ‘e por que não param com isso?’” Essa era, essencialmente, a estratégia do presidente Gerald Ford para conter a inflação incentivando a economia e os gastos mais disciplinados.

O que tornava a inflação especialmente desconcertante era que nenhum dos adultos responsáveis sabia o que fazer a respeito dela. Nossos pais estavam impotentes e era possível sentir seu estresse. Mesmo os aumentos devido ao custo de vida não resolveram o problema, porque os preços aumentaram junto com os custos do trabalho. Todos, desde empregadores e trabalhadores a credores e devedores, aprenderam a incluir uma estimativa da inflação em seus planos. E essas expectativas tornaram a inflação cada vez mais intratável – aumente os preços, faça greve por salários mais altos, assim você não fica para trás.

O que piorava a situação era a diferença na alíquota. Com um imposto de renda altamente progressivo, um aumento do custo de vida significava uma alíquota fiscal mais alta, o que significava ficar ainda mais atrás da inflação. Em resposta, os sindicatos negociaram por benefícios de seguro-saúde e previdência mais generosos que não enfrentariam o impacto fiscal – acordos que foram emulados para muitos empregos não sindicalizados e que contribuem para custos legados até hoje.

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Pior ainda, os americanos médios não estavam sozinhos em seu desamparo. O presidente da fábrica de doces também estava impotente, assim como nossos pais. E assim como o presidente dos EUA.

“É realmente assustador”, disse um alto funcionário do governo Carter à Time em 1980, quando a inflação atingiu 13,5% após quatro anos de aumentos. “Essa coisa da inflação é assustadora porque não sabemos o que a causa, nem o que fazer a respeito dela. Os economistas vão até seus computadores, conectam os dados e sai uma informação que diz que nada parecido com isso deveria estar acontecendo. É muito, muito assustador”.

Nessa época, a inflação permeava a cultura popular. Na televisão, havia cenas no supermercado em que a protagonista ficava visivelmente consternada com os preços. Em outras obras, a menção a empréstimos bancários (provavelmente a juros altíssimos).

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No famoso programa “Saturday Night Live”, em atuação de Dan Aykroyd, o presidente Jimmy Carter fala ao lado de sua lareira instando os americanos a combater a inflação ao queimar 8% de seu dinheiro. Em outra esquete, ele aconselha todos a olhar o lado bom.

“A inflação é nossa amiga”, disse. “Você não gostaria de ter um terno de US$ 4 mil, fumar um charuto de US$ 75 e dirigir um carro de US$ 600 mil? Eu adoraria!” E sorriu. No “mundo inflacionado do futuro”, ele prometeu, “a maioria dos americanos será milionário. Todos se sentirão o maioral”.

Felizmente, não vivemos nesse mundo inflacionado. O Federal Reserve, sob o comando de Paul Volcker, conseguiu reprimir a inflação, ao custo de taxas de juros de dois dígitos e o maior desemprego desde a Grande Depressão. Questionado décadas depois para nomear o legado mais importante da Grande Inflação, ele respondeu: “Não deixe a inflação enraizar-se. Uma vez que isso acontece, é muito difícil segurar a barra”.

Demorou quase uma década de baixas taxas de inflação para convencer o público de que a inflação não voltaria com força total. As taxas de juros de longo prazo continuaram a gerar um prêmio de inflação significativo. No meu primeiro emprego após a faculdade, no agora extinto escritório da Filadélfia do Wall Street Journal, recebi um aumento de 9% pelo aumento de custo de vida. Isso foi em 1983, quando a inflação estava em 3,1%, mas o contrato sindical dos velhos tempos ainda estava em vigor. Poucos anos antes, 9% nos deixariam para trás, principalmente depois dos impostos.

A disposição mais importante dos cortes de impostos de 1981 foi a indexação das alíquotas à inflação. As taxas de impostos vêm e vão, mas a indexação perdura, evitando o aumento da alíquota, mesmo que a inflação volte, como aconteceu neste ano.

O fato de os mais velhos estarem preocupados com coisas que os mais jovens não estão, já que não as viveram, é, obviamente, a história de cada geração”, escreveu o crítico de televisão do Los Angeles Times, Robert Lloyd, em uma resenha da nova série da HBO “Station Eleven”.

Você pode pensar que nós, os mais velhos, estamos excessivamente ansiosos com o ressurgimento da inflação. Mas é que você não viveu o que vivemos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Virginia Postrel é colunista da Bloomberg Opinion. Ela é pesquisadora visitante no Smith Institute for Political Economy and Philosophy da Chapman University e autora de The Fabric of Civilization: How Textiles Made the World.

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