Por Matheus Mans para Mercado Bitcoin
São Paulo - Foi em 2006, quando ninguém falava nas Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs) que o paulistano Antônio Carlos Amorim, engenheiro civil e mestre em Business Strategic Management, e seu então sócio, tiveram a ideia de criar uma organização horizontal, modelo de gestão que à época começava a ser discutido apenas dentro de universidades.
O que ambos não desconfiavam é que o sistema utilizado por eles para o desenvolvimento daquela estrutura organizacional seria similar ao que hoje define uma DAO, conceito que surgiria apenas quase dez anos mais tarde. Agora, uma década e meia depois do primeiro contato com essa forma de organização e muito estudo sobre o assunto, Amorim virou empreendedor e está perto de abrir a Kairós, a primeira DAO brasileira.
Em testes desde 2020 e programada para começar a funcionar publicamente no final deste mês, a Kairós segue o passo a passo do funcionamento de uma DAO. Primeiro, não há hierarquia. Tudo é resolvido de forma autônoma e todos podem participar das decisões. Além disso, tem aquele aspecto que mais chama a atenção em empresas do tipo: não há rótulos sobre áreas a serem trabalhadas pela Kairós,.
“Começamos olhando para soluções criativas em agronegócio, comida e bebida artesanal, esportes e engenharia”, conta Amorim. Em 2020, quando ainda estava em fase de protótipo, por exemplo, a DAO inicialmente patrocinou e logo em seguida passou a organizar um campeonato de golfe. Alguns participantes da DAO quiseram parar com o negócio, mas um outro grupo quis dar continuidade. “É assim que funciona”, comenta.
A ideia, para depois que a Kairós passar a ser funcional, é ter profissionais que possam trabalhar em vários projetos, sem rótulos. Na rede da DAO, segundo Amorim, o objetivo é ter produtores e fornecedores de produtos do agronegócio, artistas, músicos, produtores, desenvolvedores, pesquisadores, engenheiros e por aí vai. O empreendedor também quer que pessoas circulem por áreas. “Não é preciso nascer, viver e morrer no mesmo setor”, diz.
Para financiar, tudo passa pelo token próprio da DAO. Quem quiser pedir algum trabalho ou atividade para a rede oferece pagamento por meio da criptomoeda da Kairós. Depois, podem trocar por moedas correntes ou, então, deixar o token na carteira para solicitar serviços à rede. Tudo é conectado pela tecnologia de blockchain, ficando registrado digitalmente e com uso de contratos inteligentes.
“Está claro que o modelo industrial acabou. A tecnologia chegou a ponto de a produção individual e customizada ser mais vantajosa do que a produção em larga escala”, afirma Amorim. Para ele, a Kairós é apenas o início de um movimento maior. “A Nike, por exemplo, pode começar a produzir design e, ao invés de fazer tudo na Tailândia, passa a permitir que uma fábrica em Franca faça esse trabalho. Ou uma perfumaria: uma fábrica de sabonete vende a fórmula, licencia. Depois, não precisa se preocupar com distribuição”.
A Kairós no tempo
Esse modelo adotado pela Kairós é a maturação de algo que vem desde 2006. Começou com a Peabirus, plataforma de rede social de negócios, formando ecossistemas, que chegou a articular 35 mil pessoas. Depois, em 2008, veio a TeiaMG, um projeto de massificação do uso da Web para o Estado de Minas Gerais, que articulou mais de 150 mil pessoas no aprendizado e uso da internet para projetos pessoais e profissionais.
O mais interessante, porém, veio com a Laboriosa 89. “Era uma casa colaborativa na Vila Madalena que não tinha um sistema de gestão descentralizado. A gente não precisava pedir permissão para um síndico. Havia uma agenda que todo mundo usava. Uma conta que todos usavam. Tudo era auto-organizado”, conta. “Um cara, certa vez, apareceu querendo colocar um caixa eletrônico, um ATM. Decidimos em conjunto e pronto. Tava feito”.
Tudo levou Amorim a ter uma experiência completa, entendendo até mesmo as complexidades de uma gestão horizontal, sem hierarquia. “Não existem organizações sem pessoas. Tem o Skynet e o Matrix”, diz o empreendedor, citando O Exterminador do Futuro e o longa-metragem protagonizado por Keanu Reeves, respectivamente. “Só é preciso entender que não podemos salvar o mundo. Somos, apesar de tudo, uma forma de negócio”.