Por Matheus Mans para Mercado Bitcoin
São Paulo - Depois de movimentar o mundo das finanças e promover pequenas transformações em indústrias como a musical ou a de marketplaces, a tecnologia blockchain dá indícios de uma mudança radical na maneira como enxergamos as empresas. Nos últimos anos, as chamadas Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs, na sigla em inglês) deixaram de ser assunto restrito a nichos para se tornarem realidade ao redor do mundo, incluindo um projeto de DAO brasileira.
Essa movimentação surpreende justamente pela complexidade de se colocar uma DAO em prática no mundo corporativo. As DAOs são organizações com autonomia, ou seja, são autogovernadas, constituídas e geridas por meio de contratos inteligentes feitos dentro da blockchain. Como uma organização autônoma e descentralizada, a DAO permite que comunidades online se organizem economicamente nesse ambiente, com independência na tomada de decisões e no estabelecimento de regras para seu cumprimento.
Na prática, é mais ou menos assim: você tem a ideia para criar um dispositivo inteligente. Em vez de contratar pessoas para isso, como engenheiros e designers, você pode ir até uma DAO e oferecer para a rede, formada por participantes independentes, determinada quantia de um token -- seja ele específico daquela organização ou não. A partir daí, com base em um contrato inteligente firmado com esses profissionais, assegura o pagamento e a realização dos serviços. Ao final, quando o dispositivo é vendido, a própria DAO distribui os valores.
“DAO pode ser entendida como uma organização onde entes naturais ou artificiais possuem autonomia para desempenhar suas funções. A tomada de decisão está distribuída entre esses entes. Essas organizações podem assumir diferentes formas: ser constituídas somente por entes naturais, somente por artificiais ou por ambos”, diz Alan Veloso, membro do Grupo de Pesquisa em Redes de Computadores e Comunicação Multimídia (GERCOM) e do Laboratório de Inteligência Artificial Aplicada (LAAI), da Universidade Federal do Pará.
E o que estaria movimentando esse crescimento da discussão ao redor da Organização Autônoma Descentralizada é a blockchain. Tecnicamente falando, não é necessário usar a tecnologia para criar, embasar e colocar em prática uma DAO. No entanto, ela permite uma melhor organização dos entes distribuídos e descentralizados. “Com o aperfeiçoamento dos chamados contratos inteligentes, [se tornou possível] simular a ideia de contratos tradicionais na cadeia de blocos”, explica Alan.
Nessa transposição, em que contratos inteligentes começam a entrar no cotidiano de empresas, algumas funções trazem possibilidades de autonomia e de descentralização, principalmente de gerência. Antes da chegada da blockchain e dos contratos inteligentes ao mercado, essa função não poderia ser totalmente automatizada por conta da natureza crítica. Agora, atividades como contratar ou comprar mercadorias ganham automação pela segurança garantida por blockchain a essas operações.
Assim, ao final de tudo, os participantes dessas organizações ficam mais livres, sem uma figura central. Antonio Carlos Amorim, responsável pela Kairós, a primeira DAO brasileira que entra em funcionamento público já a partir do final de novembro, chama, no entanto, atenção para um ponto fundamental: centralizar operações em uma tecnologia não faz com que uma empresa se torne uma DAO. “A Uber, por exemplo, centraliza as operações no algoritmo”, explica. “A autonomia não está na organização, mas em nós como pessoas”.
Desafios para a ‘geração DAO’
Apesar do crescimento da blockchain, da chegada dos contratos inteligentes e da expansão do entendimento do que é uma DAO, essa parece uma realidade um tanto quanto distante para o setor. Questionado sobre essas barreiras, Amorim volta para a questão da tecnologia. “As pessoas que tratam de organizações descentralizadas não vêm de empreendimentos em rede, mas da tecnologia. Eles acham que podem programar todo processo humano. Isso não existe. Precisa entender de empreendimento em rede”, diz.
Além disso, a criação de uma DAO pode esbarrar em regulamentações e legislação sobre empresas, atrapalhando um pouco mais o andamento dessas organizações no mundo. No entanto, Alan Veloso vê o setor com bons olhos.
“DAO é um conceito que tem grande potencial”, diz. “Espero que cada vez mais haja propostas com o tema, mas ainda vejo pessoas confusas com o conceito e acho provável que existam aplicações que sejam DAO, mas que os desenvolvedores nem saibam. Construir DAOs que envolvam contratos inteligentes na blockchain e entes artificiais fora da blockchain, como drones, é algo que me anima muito. Blockchain está em rápido crescimento e DAO, apesar de ofuscada, também acompanha essa tecnologia. Então espero que venha a ser uma realidade mais frequente”.