São Paulo — O uso de criptomoedas no pagamento de salários cresceu em popularidade com a valorização dessa classe de ativos, registrada entre 2020 e 2021. Os jogadores da NFL Russel Okung e Sean Culkin, que mostraram preferência em receber em Bitcoin, são apenas dois exemplos. Também empresas como a japonesa GMO Internet Group, a franquia da NBA Sacramento Kings e o Twitter consideram remunerar seus colaboradores com criptomoedas.
Plataformas especializadas em fazer a ponte entre o prestador de serviços e empresas para o pagamento em cripto, como a startup Bitwage, nascida nos Estados Unidos e desde 2014 atuando no Brasil, notaram um avanço significativo nas operações com esses ativos digitais. “Nosso volume de transações dobrou nos últimos 12 meses, e o aumento nos preços das criptomoedas com certeza contribuiu para isso, já que implica no crescimento de sua popularidade”, afirma Fabiano Dias, especialista em negócios internacionais da Bitwage.
Dias explica que a plataforma dá ao colaborador de uma empresa a possibilidade de receber sua remuneração 100% em criptomoedas, ou, se preferir, apenas uma parte do valor. Ele diz que 30% dos novos usuários no Brasil optam pelo salário inteiramente em criptomoedas, marcando um recorde em tal métrica.
A Argentina é outro exemplo, segundo Dias, quando o assunto é o pagamento em criptomoedas na América Latina. O executivo lembra que o país é, atualmente, o maior mercado de salários pagos em moedas digitais. Os motivos para essa escolha, diz, são a dolarização do patrimônio por parte dos argentinos somada a um amadurecimento do mercado de criptomoedas na região.
O resultado é um aumento nas buscas pelas stablecoins DAI e USDC, que são criptomoedas com valor pareado ao dólar americano. “É uma tendência que enxergamos em todos os países da América Latina para os próximos meses”, acrescenta.
Sem previsão legal no Brasil
O Ministério Público do Trabalho (MPT) destaca que não há previsão legal para o pagamento de salário em criptomoedas no Brasil. O pagamento dos valores deve ser feito em Real/Reais, conforme determina o artigo 463 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e que o pagamento em criptomoedas considera-se “não feito”.
A remuneração com moedas digitais no mercado brasileiro, contudo, não é ilegal. “A CLT é clara e o pagamento só pode ser feito em Real, sendo qualquer outra moeda proibida. Porém, a jurisprudência abre a possibilidade de que seja feito em dólares, desde que o contrato principal esteja em Real e na data do pagamento o montante em moeda local seja convertido em dólar. Essa é a linha seguida nas remunerações com criptomoedas”, explica Luciana de Paula, advogada trabalhista especializada em moedas digitais. A jurista acrescenta que o prestador de serviços deve, expressamente, manifestar seu interesse em receber a remuneração em moeda que não seja o Real.
Isso faz com que a maior barreira não seja legal, mas operacional, segundo Luciana de Paula. Ela explica que pagamentos em criptomoedas não podem ser comprovados judicialmente, uma vez que a hash de uma transação não é considerada um meio válido de comprovação, somente comprovantes nos quais o pagamento foi feito em Reais.
Tal barreira faz com que até mesmo empresas do setor de criptomoedas tenham receio de que o prestador de serviço demande judicialmente um novo pagamento. Ou seja, o que tem freado um aumento na popularização da remuneração em moedas digitais é uma questão de cunho prático.
Uma saída, além de um dispositivo que trate a remuneração em outras moedas, e não especificamente em criptomoedas, são as fintechs – startups focadas em serviços financeiros – que consigam dar alguma garantia às empresas acerca da remuneração dos prestadores de serviço, preferencialmente por meio do modelo de subcontas. “Através das subcontas é possível efetuar o pagamento em Reais da empresa e o repasse de criptomoedas ao prestador de serviços, mantendo a operação documentada e passível de comprovação judicial”, conclui Luciana de Paula.