O que você NUNCA deve fazer ao começar a investir em criptomoedas

O passo a passo descomplicado para que o seu dinheiro não acabe em um esquema de pirâmide

Um camelo passeia passeia pelo complexo de pirâmides localizadas na península de Gizé, a 20 km do Cairo (Egito)
24 de Setembro, 2021 | 07:03 PM

Este ano a Polícia Federal e a Polícia Civil do Rio deflagraram operações que puseram abaixo dois alegados esquemas de pirâmides. Em Cabo Frio, na região dos Lagos do Rio, o alvo foi a GAS Consultoria Bitcoin, de Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como o Faraó do Bitcoin. Em Curitiba, foi preso Cláudio José de Oliveira, autointitulado como o Rei do Bitcoin, dono do Bitcoin Banco. O número de clientes gira em torno de 30 mil e os valores desviados ainda é incerto, mas a PF e a polícia do Rio estimam que tenha passado dos R$ 3 bilhões.

A Bloomberg Línea analisou os documentos públicos sobre as duas operações, cruzou dados e conversou com especialistas sobre os dois casos no Paraná e no Rio. Aqui estão algumas providências que investidores devem tomar, sobretudo, quando pretendem começar a investir em criptomoedas por conta própria.

#1 - Se a promessa é de ganho de X% ao mês, é cilada

Investir em criptomoeda, de certa forma, se parece com investimento em qualquer ativo de renda variável. A taxa de ganho (ou perda) é incerta porque as cotações variam conforme o apetite a risco dos agentes econômicos com relação àquele ativo. Ninguém pode prometer que o ganho será de 1%, 2%, 10% ao mês, simplesmente porque não tem o controle das cotações do ativo. Se prometeu, tem alguma coisa errada. Melhor procurar outro lugar.

Não existe investimento em cripto com taxa pré-fixada. Para isso, procure um título de renda fixa ou alguma modalidade de Tesouro Direto.

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#2 - Não se deixe impressionar com vídeos de ostentação: são propaganda, não informação

Uma das coisas em comum entre o Faraó do Bitcoin e o Rei do Bitcoin eram vídeos em redes sociais que mostravam ostentação em carros, viagens internacionais, relógios. Ou apresentando gráficos de rentabilidade altíssima. Não se deixe impressionar, isso é propaganda, não informação qualificada para você tomar uma decisão sobre investimento.

#3 - Não subestime o poder de 40 minutos no Google – aqui o passo a passo

Uma das maneiras mais populares de investir em criptoativos é através de exchanges, que são plataformas em que o cliente faz um depósito e começa a operar compra e venda de ativos por conta própria. O funcionamento é similar a qualquer broker de ações. Segundo o advogado Rodrigo Monteiro, diretor da Abcripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia), 40 minutos de Google podem ajudar a decidir principalmente onde não investir.

  • Faça uma pesquisa prévia de uma lista de exchanges mencionadas no noticiário ou em sites especializados.
  • Jogue o nome das exchanges que lhe pareceram melhores no Google. Procure ver se as empresas têm CNPJ.
  • Com o número do CNPJ, veja se ela está registrada na Receita Federal. A consulta pode ser feita aqui.
  • Uma providência adicional é pesquisar o CNPJ no site da Junta Comercial do Estado onde ela está registrada. Isso vai mostrar quem são os sócios dela. A pesquisa na Junta Comercial de São Paulo pode ser por nome da empresa, CNPJ ou NIRE (número de registro local). Os documentos saem em formato de PDF. A consulta pode ser feita aqui.
  • Jogue o nome dos sócios no Google. Se eles tiverem problemas com a Justiça provavelmente os extratos de processos da Justiça estadual ou Justiça federal vão aparecer na primeira ou na segunda página de resultados.
  • Exchanges sem representação no Brasil oferecem risco adicional (leia no tópico #6)
  • Se você realizou estes passos e não encontrou nenhuma informação desabonadora. Veja sites de defesa do consumidor para ver o que outros usuários estão falando sobre essas empresas.

“É importante que as pessoas tenham o mesmo comportamento que elas tinham quando estavam começando a comprar coisas por e-commerce. Até ganhar a confiança, é melhor verificar tudo que é possível para checar se está mesmo entrando em um espaço seguro”, diz Monteiro, da Abcripto.

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O site da entidade traz uma lista de exchanges que estão regularmente registradas no Brasil.

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#4 – Jamais faça transferências de dinheiro para pessoas físicas

Transferir dinheiro para outra pessoa física jamais. Pessoas físicas que recebem TED para investir em seu lugar não têm autorização legal para fazer isso.

No caso do Faraó do Bitcoin, segundo a Polícia Civil do Rio, Glaidson Acácio dos Santos dizia dizia aos clientes que sua empresa, GAS Consultoria Bitcoin, tinha uma conta na exchange Binance e que as transações eram feitas por lá. Na verdade, o dinheiro ia para a conta pessoal de Glaidson, segundo o inquérito. Segundo a polícia, pela conta pessoal de Glaidson na Binance passaram R$ 1,2 bilhão.

Quando os investigadores pediram o bloqueio das contas do empresário, eles descobriram que todo o dinheiro já havia sido sacado e transferido para mais de 180 outras contas bancárias em vários países, na tentativa de ocultar o montante.

#5 – Se a garantia do investimento for um contrato de mútuo, dê o fora

No caso do Bitcoin Banco, que não era um banco de fato por não ter autorização para atuar na prestação de serviços bancários, investidores recebiam como “garantia” um contrato de mútuo.

Previsto pelo Código Civil, o contrato de mútuo é basicamente um empréstimo de dinheiro ou bens fungíveis (como grãos, arrobas de boi ou outros bens móveis que possam ser restituídos por outra da mesma espécie e na mesma quantidade).

Basicamente, quem está transferindo dinheiro a alguém e recebe como garantia um contrato de mútuo não está investindo em bitcoins, mas emprestando dinheiro a quem não conhece sem qualquer garantia real.

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A lei prevê que o mutuante (a pessoa quem fez o empréstimo) pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário (quem tomou o empréstimo) sofrer notória mudança em sua situação econômica.

A “notória mudança na situação econômica” do Bitcoin Banco veio quando as pessoas tentaram tirar o dinheiro investido e não conseguiram. Primeiro, a empresa limitou os saques em R$ 30 mil. Depois entrou com um pedido de recuperação judicial, uma situação jurídica que permitiu interromper os pagamentos aos mutuantes (que pensavam ser investidores).

A empresa acabou indo à falência e, segundo a PF, deixou ao menos 7 mil pessoas no prejuízo.

O correto é que a exchange seja apenas a custodiante dos ativos, que devem estar registrados em nome do investidor, não de terceiros.

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Na imagem acima, meme que correu as comunidades de cripto sobre a decisão da China de banir a negociação de criptoativos. Não foi a primeira vez.

#6 - Se a exchange não tem representação no Brasil, o risco pode ser maior

Escolher exchanges estrangeiras pode ser atrativo por causa de taxas ou da reputação de firmas internacionais, mas se alguma coisa der errado – se a empresa quebrar ou uma corrida de saques que derrube a plataforma, por exemplo – você não conseguirá acioná-la em nenhum tribunal brasileiro porque ela não tem representação legal aqui.

#7 – Quando a taxa é barata demais, não estão te contando alguma coisa

Segundo Rodrigo Monteiro, da Abcripto, taxas cobradas por exchange devem remunerar a tecnologia, os serviços prestados, impostos e toda a estrutura de back office – aquele pessoal de retaguarda que atua no administrativo, jurídico, RH que fazem a empresa funcionar regularmente. Ninguém dá dinheiro de graça e há algo que não estão te contando.

#8 – Não ponha todo o dinheiro de uma vez. Faça pequenas retiradas para testar se é fácil pegar seu dinheiro de volta

Uma vez aberta a conta na corretora, seja cuidadoso. Não ponha todo o dinheiro que você tem disponível para investimento de uma só vez. Comece com pouco e faça testes. Veja, por exemplo, em quanto tempo você consegue vender um cripto ativo, transformá-lo em moeda corrente novamente e devolvê-lo à sua conta. Se conseguir fazer isso de maneira satisfatória, vá em frente e continue.

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Se demorar muito tempo para liquidar a posição e devolver o dinheiro de volta à sua conta original, alguma coisa pode estar errada e talvez seja melhor procurar outras opções de exchange.

#9 – O dinheiro é seu, a última palavra sobre ele também

O dinheiro que está na exchange é seu, ela apenas custodia os ativos. A decisão do que comprar ou vender e quando fazer isso, é sua e de ninguém mais. Como dito nos itens anteriores, investir em criptomoedas é diferente de emprestar dinheiro para alguém supostamente fazer isso por você.

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#10 – Se não tem tempo para estudar ativos antes de comprá-los, há fundos e ETFs que podem fazer isso por você

Boas exchanges em geral oferecem recomendações de investimento vindas de seus setores de pesquisa. Há boas firmas independentes que também fazem isso mediante assinatura ou venda de relatórios. É importante ler e entender os detalhes de cada criptoativo antes de por seu dinheiro nele. Essa regra, é claro, vale para qualquer modalidade de investimento.

Se você quer investir em criptoativos mas não tem tempo ou disposição para estudar os fundamentos disso, talvez seja mais produtivo investir em algum fundo de investimentos que tenha posição em cripto ou ETFs que emulem cestas de criptoativos, que estão disponíveis nas principais plataformas de investimento. Sim, é claro que você vai pagar por isso, mas o trabalho de escolher o que comprar ou vender fica com outra pessoa com autorização dos órgãos reguladores para fazê-lo.

#11 – Só invista o dinheiro que não fará falta se perdê-lo

Criptoativos são ativos voláteis. Podem trazer grandes lucros e grandes prejuízos de uma hora para outra. Entenda muito bem quais são os riscos de investir em cripto por conta própria ou através de fundos e ETFs. Ninguém pode fazer isso no seu lugar já que o dinheiro é seu. Como em qualquer investimento tradicional, só coloque aquele dinheiro que não seja necessário para custear suas despesas ou que possa precisar em caso de algum imprevisto (como doença, perda de emprego).

Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.