Como o Brasil vai lucrar com a maior demanda por baterias mais eficientes no mercado da energia limpa?

Em entrevista à Bloomberg Línea, CEO da Largo Resources no Brasil fala do primeiro contrato de venda de bateria de vanádio e dos planos de expansão da mina do metal raro na Bahia

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São Paulo — O mercado de energia renovável, em expansão no mundo diante da urgência das mudanças climáticas, deve começar, em 2022, a adotar uma nova “super bateria” feita com uma tecnologia de armazenamento que promete ser sustentável, eficiente e econômica. A inovação poderá beneficiar o Brasil, de onde se extrai a principal matéria-prima para fabricar esse equipamento. É o que revela Paulo Misk, CEO da mineradora canadense Largo Resources no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

De uma mina situada no agreste da Bahia, a companhia vai exportar um metal prateado, raro na natureza, conhecido como vanádio, para fabricação dessas baterias nos EUA, a fim de atender à potencial demanda de clientes de parques de energia solar e eólica. O primeiro contrato comercial de bateria de vanádio foi fechado com a Enel Green Power na Espanha, que deve receber o equipamento (transportado em 14 containers por navio) no segundo semestre do ano que vem.

A mina de vanádio da Largo Resources fica em Maracás, município do centro-sul baiano a cerca de 350 km da capital Salvador, famosa pela altitude elevada (976 m) e baixas temperaturas para os padrões nordestinos (mínima de até 10° em julho). A reserva é o principal ativo da mineradora canadense, que vai exportar o produto para sua unidade de fabricação de baterias nos EUA. No segundo trimestre, a Largo Resources, listada na bolsa eletrônica Nasdaq em abril, teve um lucro recorde de US$ 8,4 milhões, divulgado na última quarta-feira.

“A gente produz vanádio de alta pureza, cuja aplicação é usada no mercado de aço e também na indústria aeroespacial, principalmente para fazer liga com o titânio e o alumínio. As aeronaves têm um uso intensivo dessa liga de titânio e vanádio, no trem de pouso, para suportar o impacto. Só duas empresas no mundo fornecem para esse mercado, que tem um preço premium. No trabalho de agregar valor, a gente foi olhar a área de baterias de vanádio, que também é uma aplicação especial, nobre”, diz.

Foi graças ao projeto de uma startup americana de desenvolvimento de baterias que a mineradora encontrou o caminho para atuar nesse novo segmento. “Há dois anos, olhando as tecnologias existentes na Europa e nos EUA, aí em dezembro do ano passado, identificamos a melhor tecnologia para essa bateria, que era de uma empresa americana, a Vionx, que tinha dificuldade de garantir suprimento de vanádio. Então, a gente adquiriu dela todas as patentes e contratamos o pessoal técnico”, relembra o executivo.

Enel

A tecnologia da Vionx permite ter um menor custo por quilowatt de potência, segundo Misk, e pode ganhar espaço no mercado devido à busca crescente por soluções de energia limpa. “O momento de mercado é especial: a vitória de Joe Biden [como presidente dos EUA], o mundo realmente levando a sério o Acordo de Paris, com compromisso da energia verde até 2035”, contextualiza o CEO.

Para explorar esse mercado promissor, foi criada a Largo Clean Energy (LCE), que vai fornecer a bateria de vanádio com a Enel. “A Enel é o primeiro contrato que a gente fez. Ela tem um programa arrojado nessa área. Ela quer validar essa solução tecnicamente, certificar para usar em larga escala em seus projetos de energia limpa. Vamos entregar a bateria de vanádio da Enel em outubro do ano que vem”, adianta Misk, acrescentando que se trata de uma bateria estacionária de 6 Megawatts-hora (MWh).

O objetivo da Largo, que não revela detalhes do contrato com a Enel devido à cláusula de confidencialidade, é comercializar a bateria de vanádio por um preço inferior a que usa lítio. “O preço de referência para a bateria de lítio, que dura 7, 8 anos, é de US$ 220, US$ 250/kWh. Vamos fazer um preço um pouco abaixo disso”.

Aluguel

O executivo da Largo Resources explica, no entanto, que a bateria de vanádio terá um modelo de negócios “disruptivo”. A ideia é cobrar pelo uso por mês ou por ano, depois de sete anos da compra, sem a necessidade de trocar o equipamento, como acontece com a de lítio. Ele diz que a bateria é composta de dois tanques ligados por tubulação, uma bomba e um “steck”, uma membrana, igual ao radiador.

“A gente tem um produto que dura para sempre, que é o vanádio, e a gente pode ter um modelo de negócio disruptivo, em que a gente aluga e fica tendo uma receita recorrente ao longo do tempo. A parte essencial da bateria é o eletrodo de vanádio, um líquido. Nós não vamos vender o eletrodo, nós vamos alugá-lo devido à sua característica: ele não vence, não contamina, não acaba. Ele continua com sua capacidade de estocar energia, de carregar e descarregar eternamente. O eletrodo é o vanádio dissolvido em água e ácido sulfúrico”, esclarece.

O CEO revela que a mineradora conversa com clientes nos EUA, principalmente na Califórnia, para fornecer a bateria para projetos de energia limpa. Segundo Misk, as negociações estão em estágio avançado. “Eles já testaram as baterias e falam que querem e dizem que nós temos a melhor solução. As baterias de lítio não têm boa aceitação no mercado”, afirma Misk.

Expansão

Com a nova linha de negócios, a Largo planeja expandir produção de sua mina na Bahia. “Onde vai necessitar realmente de mais investimento é no Brasil, para as expansões e outros projetos. 90% do nosso plano de investimento é no Brasil, já que 40% do custo da bateria é vanádio”, afirma Misk, acrescentando que a empresa estuda aquisições de outros depósitos do metal na Bahia e no mundo, bem como parcerias para compra de produção de terceiros.

Esse movimento vai seguir o ritmo de aumento da demanda por energia renovável. “Para essas energias vingarem 100%, precisa de um sistema de estocar energia. A energia solar não produz à noite, e nem a eólica produz quando o vento está parado. Você precisa estocar quando tem o excesso para poder usar quando não tem a produção. Essa é a função básica da bateria de vanádio”, enfatiza o CEO.

“Estamos prevendo usar no ano que vem apenas 3% da nossa produção nas baterias. Nós vamos fazer um crescimento em cinco anos: usar 3% no primeiro, 16% no segundo e 30% no terceiro. A gente tem um tempo para fazer expansões e para fazer políticas de agregar mais vanádio a nossa empresa através de parcerias, através de novos negócios. Em cinco anos, a gente espera que por volta de 80% da receita da Largo seja pelas baterias de vanádio”, estima.