O problema da inflação na América Latina

As expectativas estão acima das metas de 2021, pressionando os bancos centrais a agirem antes do esperado e talvez de forma agressiva

Os bancos centrais sabem que os esforços para conter a inflação persistirão até o fim do ano
11 de Agosto, 2021 | 10:26 AM

A recuperação da crise econômica e de saúde em decorrência do Covid-19 deixou um problema de inflação para a América Latina em 2021 que, embora não seja igual em todos os países, coloca os bancos centrais das principais economias da região em um caminho complexo de normalização das taxas de juros.

O isolamento e fechamento de setores econômicos afetaram o consumo de produtos, bens, serviços e matérias-primas. Os bancos centrais, diante da contração da demanda, reduziram as taxas de juros para apoiar as economias afetadas pela pandemia.

Porém, o avanço da vacinação e a reabertura econômica provocaram alta de preços a partir do primeiro trimestre de 2021.

A inflação está sendo um problema para a população com menos recursos que vai ao mercado comprar a cesta básica e observa o aumento de preços de uma semana para outra, mas também é um problema para os investidores que vão ao mercado financeiro e sentem a pressão nas taxas de juro e o risco de aumento dos custos do crédito.

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O cenário atual na região é de inflação elevada em relação às metas dos bancos centrais. Embora a recuperação inflacionária também tenha um componente relacionado a um efeito estritamente estatístico que surge com a variação ano a ano e associado a uma base de comparação baixa.

O Banco Central do Brasil foi a primeira instituição da região a elevar sua taxa em 2021, impulsionado por questões fiscais. A iniciativa foi seguida pelo Banco do México e depois pelo Banco Central do Chile. Em junho, o México e o Brasil relataram estar 2,88 e 4,6 pontos percentuais, respectivamente, acima de suas metas de inflação.

A Argentina e a Venezuela são os países latino-americanos com maior inflação, com 50,2% e 2.615,5% em junho, respectivamente; porém, ambos os países já tinham problemas com os preços antes da pandemia, portanto a situação não é comparável com o resto da região nessa conjuntura.

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Agora, no início do segundo semestre de 2021, as autoridades monetárias da América Latina voltaram os olhos para a política monetária do Federal Reserve dos EUA devido ao impacto de suas decisões sobre a taxa de câmbio e o debate sobre o caráter transitório da retomada inflacionária.

A postura de inflação temporária por parte dos bancos centrais pode começar a ser flexibilizada, sempre que as economias da região ainda não estiverem totalmente abertas, ou seja, conforme os setores mais atrasados sejam reabertos, a inflação subjacente vai ser um pouco mais alta.

O economista sênior para a América Latina da S&P Global Ratings, Elijah Oliveros-Rosen, disse à Bloomberg Línea que o problema dos países da região não é apenas que a inflação observada está acima do objetivo central, mas que as expectativas estão acima das metas para 2021, pressionando os bancos para agirem antes do esperado e talvez de forma agressiva.

“A inflação coloca os bancos centrais em uma situação incômoda, na qual eles devem começar a elevar as taxas em um contexto em que a atividade econômica continua fraca; a recuperação continua fraca e ainda há muita incerteza”.

Elijah Oliveros-Rosen, economista sênior para a América Latina da S&P Global Ratings

Até que ponto os bancos vão tolerar os atuais níveis de inflação? Oliveros-Rosen acredita que esta é uma pergunta que cada país terá que responder. Os bancos têm a tarefa de analisar e encontrar um equilíbrio entre os fatores transitórios e persistentes da inflação.

“Teríamos que normalizar as taxas para os níveis pré-pandemia, mas as taxas não vão subir para níveis altos porque se originaram de níveis muito baixos; estamos falando de taxas em níveis neutros, e isso é um ponto importante”, disse o economista, reconhecido pela FocusEconomics como um dos melhores preditores de inflação da região para 2020.

A queda das taxas reais

A taxa real de retorno do investimento oferecida pelo México, Brasil, Peru, Chile e Colômbia registra perdas históricas, apesar das decisões dos bancos centrais de aumentar a taxa básica de juros, motivo pelo qual os investidores optaram por instrumentos mais arriscados, como o mercado de ações.

No México, o nível de inflação em julho foi de 5,81% em comparação a uma taxa de juros de 4,25%, o que mostra uma taxa real negativa de 1,56%. Com esses dados, o indicador acumula cinco meses de queda; até o momento, abril de 2021 é o mês com a menor taxa negativa desde que esta foi registrada.

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A economia chilena está há 23 meses com taxa real negativa, o que se aprofundou em julho de 2021, marcando uma perda de 3,3% devido ao nível de inflação, que estava em 4,5% em julho, e ao aumento da taxa de referência em 0,75%.

O Peru acumula 18 meses com perdas. Assim como o Chile, julho foi o mês com maior desvantagem, fixando-se em 3,55% em comparação a uma taxa de referência de 0,25% perante um nível de inflação observado de 3,81% nesse mês.

O Brasil é o país emergente da região com maior inflação, no patamar de 8,99% em julho de 2021, conforme o último IPCA. Antes disso, em 4 de agosto, o Banco Central elevou sua taxa de referência para o patamar de 5,25%.

O caso da Colômbia não é melhor, acumulando quatro meses em retornos negativos e se aprofundando em 2,22% no final de julho, sendo este o pior registro em mais de uma década.

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“A China e os EUA são os principais consumidores de matéria-prima – as famosas commodities – como aço, cobre, madeira, petróleo. O que está acontecendo é que o preço desses insumos aumentou muito, impactando as economias porque se trata de preços internacionais “, comentou o sócio fundador da SNX Consultores, Carlos Ponce.

O professor da Universidad del Pacífico do Peru, Marco Ortiz, destacou que a queda das taxas reais afeta as decisões dos bancos centrais de reverter a inflação, além do fato de que o cenário de investimentos em alguns países como México, Peru e Colômbia também é afetado por questões políticas.

Taxa de juros em meio a novas ondas de Covid-19

O economista-chefe para a América Latina do Credit Suisse, Alonso Cervera, disse que nem todos os países da região sofrem a inflação da mesma forma. No Chile, o aumento da inflação foi modesto, mas no México e no Brasil a diferença foi mais acentuada.

Cada banco central deve analisar de onde vem o problema da alta dos preços – se são as commodities, um problema de produção de bens ou um efeito da reabertura econômica, ou ainda o aumento da demanda devido à maior mobilidade das pessoas.

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Cervera foca ainda em outro efeito: a disseminação da cepa delta do vírus de Covid-19 e seu impacto no número de infecções e possíveis efeitos na atividade econômica.

Se o vírus voltar a se intensificar na região, como já acontece no México com a terceira onda de casos ativos, as pessoas podem ficar em casa novamente, o que afetaria a demanda.

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“O problema da inflação não é generalizado na região e não sabemos se será; há um grau enorme de incerteza nunca antes testemunhado. Daqui para frente, talvez o risco de persistência da inflação tenha diminuído na margem por conta da volta do vírus e seus efeitos sobre a expectativa do consumidor para parar de comprar ou de sair”, disse.

O codiretor de Investimentos da Franklin Templeton Investments, Luis Gonzali, ressalta que a decisão de alguns bancos centrais de modificar sua política monetária local não estaria fora de lugar, pois seriam aumentos preventivos.

“Acredito que estamos observando o aumento de taxas preventivas. Não acredito que o ciclo restritivo contínuo ocorrerá em nível global. Considero que sejam decisões para melhorar as expectativas de investimento”, afirmou.

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Marco Ortiz, professor da Universidad del Pacífico do Peru, destaca que um fator a ser considerado no controle da inflação é a expectativa sobre o nível futuro, elemento que é complicado no caso do México e do Peru porque os presidentes dos respectivos bancos centrais, Alejandro Díaz de León e Julio Velarde, devem deixar seus cargos.

“É um pouco mais complexo fazer com que o controle inflacionário sofra, e com isso o atual diretor sabe que a política aplicada no momento não tem um impacto tão forte sobre as possíveis decisões que o novo diretor possa tomar”, disse Ortiz.

No final de 2021, os bancos centrais sabem que a corrida contra a inflação persiste, e existe o risco de que ela se acelere em países onde tem sido relativamente baixa.

A expectativa do mercado caminha para outro sentido, desconsiderando que na América Latina haverá ajustes de pelo menos 25 pontos base em cada uma das reuniões de política monetária no restante do ano. A partir de agora, aproximar-se da meta inflação vai depender da velocidade de movimentação dos bancos centrais.

Zenyazen Flores

Periodista mexicana especializada en finanzas públicas y mercado laboral con más de 10 años de experiencia. Anteriormente colaboró en medios multiplataforma como son El Financiero Bloomberg y Grupo Milenio. Coautora del libro “Ayotzinapa. La Travesía de las Tortugas”.

Estephanie  Suarez

Soy economista financiera de profesión con experiencia en periodismo bursátil, macro-micro economía y consumo. Trabajé en El Economista México. Estudié economía en la UAM-Xochimilco. Twitter: @estephsuarez