Opinión - Bloomberg

Não quer se vacinar? Você pode acabar matando o pai de alguém

As vacinas diminuem a quantidade de vírus em circulação, prevenindo que outras pessoas contraiam a doença

Usar máscara ainda é uma forma eficiente de tentar conter o avanço da pandemia
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Informações equivocadas ou uma simples confusão científica podem causar muitos problemas quando parecem vir do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Foi o que aconteceu quando um documento vazado do CDC ajudou a enviar uma mensagem enganosa de que as pessoas vacinadas espalham a nova cepa delta tão rapidamente quanto as não vacinadas.

Esse problema rapidamente se tornou munição para os céticos da vacina e foi usado contra pessoas como Art Krieg, reumatologista e biotecnólogo apaixonado por vacinas – ainda mais depois que seu pai de 90 anos, já vacinado, morreu de Covid-19 em 30 de julho.

A especialidade de Krieg – reumatologia – lida com doenças autoimunes e o sistema imunológico, e sua empresa – Checkmate Pharmaceuticals – é especializada em um produto que ele descobriu, chamado CpG DNA, que pode ser usado em vacinas. Falei com ele várias vezes durante a pandemia para entender os detalhes da ciência das vacinas.

Krieg usou o Twitter para contar sobre a morte de seu pai e defender que elas deveriam ser vacinadas para proteger outras pessoas, reduzindo a quantidade de vírus em circulação. Ele acredita que seu pai poderia não ter morrido se mais pessoas tivessem tomado as vacinas.

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Muitos comentários foram feitos – a maioria de apoio, ele disse. “Mas várias pessoas disseram ‘as pessoas vacinadas espalham a doença da mesma forma... encare os fatos’”.

E, dessa vez, os fatos pareciam vir do CDC, não de um site de teorias da conspiração.

Então quais são os fatos? O consenso científico afirma que as vacinas reduzem tanto a doença quanto os “casos” assintomáticos e, assim, tornam o mundo mais seguro para quem ainda está vulnerável devido à idade ou às condições de saúde.

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Krieg disse que seu pai morava em um lar de idosos no estado da Pensilvânia e tomou as doses da Pfizer no início do ano, assim que elas foram disponibilizadas para sua faixa etária.

Mas ele tinha uma doença imunológica chamada gamopatia monoclonal, que o deixava vulnerável, assim como sua idade avançada. Ele ficou em casa na maior parte do tempo, porém, em julho, a combinação perfeita de eventos aconteceu – uma queda e uma viagem ao pronto-socorro durante um aumento nos casos de Covid na região.

O hospital estava tão cheio, segundo Krieg, que demorou cinco horas para que seu pai fosse atendido. O diagnóstico de Covid-19 veio na semana seguinte.

Ele não argumenta que seu pai contraiu o vírus de uma pessoa não vacinada – embora ele pense que as chances são aproximadamente 20 para 1 de que foi o que aconteceu. O maior problema é que, se mais pessoas na área tivessem sido vacinadas, as chances de seu pai ser infectado e de o hospital estar lotado seriam menores.

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“O ponto principal é que, se você for vacinado, terá muito menos probabilidade de se infectar e, se for infectado, a probabilidade de infectar outras pessoas é muito menor porque a infecção desaparece mais rapidamente”, disse.

Isso é muito diferente da mensagem que a mídia interpretou na declaração do CDC na semana passada.

O que o CDC disse na verdade veio de um documento interno que vazou para o Washington Post e foi rapidamente obtido pelo New York Times. Mas isso não significa que o conteúdo represente uma visão consensual ou qualquer tipo de mensagem que o CDC pretendia transmitir. O público pode pensar erroneamente que o material vazado é mais autêntico porque não era destinado à população, mas na ciência esse não é necessariamente o caso.

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O documento afirma que a cepa delta é tão transmissível quanto a catapora – uma doença que pode não ser conhecida dos americanos mais jovens. O documento também mencionou que as pessoas vacinadas e infectadas tinham cargas virais tão altas quanto as de pessoas não vacinadas. Isso não significa necessariamente que a probabilidade de transmitir é a mesma de pessoas não vacinadas, mas é um sinal preocupante.

As declarações foram baseadas em uma análise feita depois de um surto após o fim de semana do feriado de 4 de julho em Provincetown, no estado de Massachusetts. Parte daquele fim de semana teve condições climáticas mais úmidas e com vento – melhor para socializar em ambientes fechados do que para ir à praia. Provincetown é conhecida como um ponto de encontro para homens gays e, como observado pela New Yorker, a taxa de HIV positivo é muito mais alta que a média nacional. É uma condição que provavelmente reduziria a eficácia das vacinas.

Os cientistas discordam sobre como interpretar as medições da carga viral, mas a maioria concorda que os vacinados têm muito menos probabilidade de se infectar. Alguns deles, como a especialista em doenças infecciosas da UC San Francisco, Monica Gandhi, dizem que os casos descobertos são contabilizados a mais porque os testes PCR de Covid dão positivo mesmo na presença do vírus inativado que ficou após a eliminação pela imunidade induzida pela vacina. Ela acredita que muitos testes positivos assintomáticos em pessoas vacinadas não são infecções reais.

Para alguns, a mensagem do surto de Provincetown é que as pessoas ainda deveriam usar máscaras em público. Isso pode ajudar, mas a melhor mensagem é transparente e honesta: o pai de Krieg provavelmente foi infectado pelo vírus na sala de espera, onde as máscaras eram muito provavelmente obrigatórias.

Portanto, contar apenas com as máscaras não faz sentido quando as vacinas provaram ser seguras e eficazes. A mensagem de que as vacinas não protegem outras pessoas não é corroborada pelos dados, mas para quem ainda está hesitante com a vacina, é um argumento atraente.

Quando, em junho, o podcaster Joe Rogan questionou se pessoas jovens e saudáveis deveriam tomar as vacinas, a lição que a comunidade de saúde pública deveria ter aprendido foi que eles fizeram um péssimo trabalho ao explicar por que as pessoas deveriam ser vacinadas mesmo que não estivessem no grupo de risco e não morassem com os avós.

O motivo não é tão complexo: ser vacinado reduz a quantidade de vírus em circulação e reduz as chances de morte para pessoas como o pai de Art Krieg. Essa mensagem não é apenas coerente, mas tem sido consistentemente verdadeira desde que as vacinas foram disponibilizadas. Ao contrário da muito comentada opinião “vazada” de alguém do CDC, a situação não mudou completamente.

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