Expansão de gastos permanentes do governo pode comprometer produtividade, diz diretor da IFI

Em entrevista à Bloomberg Línea, Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente do Senado, disse que o governo poderia já ter aprovado reformas se tivesse diálogo com Congresso

Salto vê como necessário avançar nas melhorias fiscais e questões ligadas a infraestrutura
04 de Agosto, 2021 | 05:19 PM

São Paulo — O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, afirma que o país está “semi-estagnado” e o governo federal não tem um “plano de voo” claro para a retomada da atividade econômica.

“Não vejo que esteja sendo feito”, diz o economista em entrevista à Bloomberg Línea. A IFI é um órgão consultivo independente, que está dentro do organograma do Senado Federal.

  • Depois da PEC Emergencial, em março deste ano, e o projeto de capitalização da Eletrobras, em junho, o Executivo tem feito um movimento “irrisório” para avançar com as reformas tributária e administrativa, conforme vinha anunciando desde a posse em 2019.
  • Segundo Salto, as reformas parecem ainda mais incertas com a aproximação das eleições de 2022 – tradicionalmente, o Congresso fica praticamente paralisado durante o período que antecede as campanhas eleitorais.

Uma das preocupações do diretor-executivo do IFI é a possibilidade do Executivo em expandir gastos com reajustes para servidores no próximo ano ou aumentar outros gastos permanentes.

Nesta semana, o governo preparou uma PEC para reformular o atual projeto do Bolsa Família, e praticamente dobrar o valor da ajuda. Conforme agências citando fontes, o novo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, teria começado a conversar com os líderes do Congresso para encaminhar a proposta que prevê o pagamento de R$ 400 mensais.

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Felipe Salto aponta que o governo já enfrentou dificuldades para aprovar a peça orçamentária, que está em vigor este ano. “O processo orçamentário continua quase em inércia, no piloto automático. Há tendência de piora, depois de toda discussão no orçamento deste ano”.

“A prioridade agora é gestão e controle, que permita acelerar a vacinação contra covid-19. É disso que depende a recuperação da economia.”

Por que isso é importante: O crescimento esperado da economia brasileira para 2021 é de 4,2%, de acordo com projeção da IFI, e de 5,30% conforme o último Relatório Focus do Banco Central. Salto chama atenção que este dado vem após o país registrar uma recessão de 4,1% em 2020, o primeiro ano da pandemia da Covid-19.

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Para ele, é necessário avançar nas melhorias fiscais e questões ligadas a infraestrutura, o que envolve as Reformas Administrativa e Tributária: a primeira, está para ser votada na Câmara até fim de agosto, conforme o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL); a segunda, deve ser tratada nesta semana, também segundo o deputado.

Contexto: O Brasil não fez qualquer reforma estruturante desde a aprovação da Previdência, em 2019, que começou no governo Michel Temer e foi votada e aprovada já na gestão Bolsonaro.

Os focos de dificuldade para as contas públicas são os seguintes, segundo o economista:

  • Conforme Salto, a PEC Emergencial foi um grande “tiro na água”, que não garante o controle permanente de despesas. “A produtividade da economia continua muito negativa”, diz o economista.
  • A dificuldade do Governo é de dialogar, segundo ele. A PEC do Pacto Federativo, por exemplo, que foi enviada pelo Planalto sem um trabalho efetivo de diálogo com o Congresso, ainda busca aprovação. “Supostos avanços que tivemos não garantem sustentabilidade fiscal, nem crescimento econômico.”
  • A gestão atual tem falhado no diálogo com os parlamentares, o que deixa medidas importantes travadas. A Administrativa, segundo ele, tem passado por discussões complicadas e dificuldades no texto. A Tributária – que, para Salto, já poderia ter sido aprovada “há muito tempo” – tem passado por fatiamentos que podem diminuir sua efetividade. A entrada de Ciro Nogueira na Casa Civil é um movimento pragmático do Planalto para fortalecer a base do presidente Bolsonaro no Congresso.

O que vem pela frente: Todas as principais pesquisas de opinião traçam um quadro de polarização entre Jair Bolsonaro (ainda sem partido) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com a aparente desvantagem do atual presidente nas sondagens, o temor de muitos analistas é que o Orçamento da União seja usado como meio de Bolsonaro recuperar popularidade por meio do aumento de gasto até a eleição.


Kariny Leal

Jornalista carioca, formada pela UFRJ, especializada em cobertura econômica e em tempo real, com passagens pela Bloomberg News e Forbes Brasil. Kariny cobre o mercado financeiro e a economia brasileira para a Bloomberg Línea.