MercadoPago analisa ‘de perto’ a implementação de posse e envio de criptomoedas

Em entrevista à Bloomberg Línea, Osvaldo Gimenez, presidente da fintech, disse que avanço das criptomoedas “pode ser uma revolução para as finanças”

Osvaldo Gimenez - Presidente Fintech de MercadoLibre.
03 de Agosto, 2021 | 08:27 AM

Não existem muitas pessoas que conhecem melhor o MercadoLivre que Osvaldo Gimenez, atualmente a autoridade máxima em fintech do unicórnio argentino.

O executivo, que atualmente lidera o MercadoPago, entrou na empresa como country manager da Argentina e do Chile em dezembro de 1999, apenas quatro meses depois de sua fundação. Foi um dos principais protagonistas do crescimento da empresa desde então.

Com valor de mercado de mais de US$ 75 bilhões, a gigante argentina parece ter contornado a crise política e econômica na região e continua apostando em mais crescimento e inovação. Após a pandemia, o boom dos pagamentos digitais e do comércio eletrônico compensou as recessões, alega Gimenez.

Na vontade de continuar inovando, o MercadoPago está “analisando de perto” a posse e o envio de criptomoedas, conforme implementado nos EUA os aplicativos Venmo, da Paypal, e Cash App, da Square. O MercadoLivre anunciou neste ano a aquisição de US$ 8 milhões em Bitcoin para sua tesouraria e também incentiva cotações imobiliárias nessa criptomoeda.

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A conversa a seguir foi editada para fins de extensão e clareza.

Bloomberg Línea: O MercadoLivre superou o boom das pontocom, a crise argentina de 2001 e, desde então, várias crises nos países onde a empresa atua. Quais foram os fatores que permitiram seu crescimento na região?

Osvaldo Gimenez: Sempre pensamos no MercadoLivre no longo prazo. Isso é particularmente útil na América Latina, que passa por muitos ciclos. Às vezes, se alguém analisa somente um ciclo, acaba tomando decisões mais orientadas ao curto prazo. Outro fator é a relação com a tecnologia e um modelo de negócios muito resilientes. Ao longo dos últimos 20 anos, o comércio eletrônico e os pagamentos on-line foram tendências que cresceram muito. Vimos uma tendência muito forte de digitalização de pagamentos, mais economia nos meios eletrônicos e maior crédito eletrônico. A tendencia é mais forte que os eventos que podem ocorrer no ciclo macroeconômico. Também é um modelo muito resiliente, pois facilita o empreendimento: as pessoas podem vender no MercadoLivre ou cobrar com o MercadoPago. Mesmo em anos mais difíceis, constatamos que os volumes aumentavam.

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No mercado argentino, a empresa cresceu apesar de obstáculos recorrentes como a inflação, a desvalorização, uma alta carga tributária e o fato de o país ter sido um dos últimos países da região ao incorporar a tecnologia 4G. Quais fatores causaram esse sucesso?

Houve uma grande oportunidade de tornar o comércio mais eficiente. Na Argentina, alguns produtos estavam disponíveis apenas nas grandes cidades. Conseguimos federalizar a distribuição, primeiramente com os usuários e depois com nossa própria rede de distribuição. Esse foi um feito muito disruptivo. O esforço logístico nos últimos anos foi um acelerador de todo o comércio eletrônico, algo muito testemunhado no ano passado, durante a quarentena, quando muitos comércios varejistas estavam fechados. Na área de fintech, havia um grande déficit para a cobrança com cartões de crédito, pois o número de pontos de venda era muito pequeno. Nosso ponto de venda é móvel, não dá para vender ou alugar, além de ser mais barato. O mesmo acontece com o código QR. Isso permitiu que levássemos os pagamentos eletrônicos a muitos pequenos comércios. A mesma falta de acesso a serviços financeiros nos proporcionou uma oportunidade para atender esse nicho. Na área de crédito, muitas pessoas físicas e pequenas empresas nunca haviam recebido crédito de bancos tradicionais. Hoje, três milhões de pessoas investem através do MercadoPago, em comparação a apenas 400 mil contas de clientes [no país] anteriormente.

Um relatório recente do Goldman Sachs alega que 60% do valor do MercadoLivre é atribuível ao MercadoPago. Qual o percentual do faturamento total do MercadoLivre que o MercadoPago representou no primeiro trimestre?

Depende da métrica. A maioria do faturamento continua sendo do MercadoLivre, mas o MercadoPago participa também das transações que ocorrem dentro do MercadoLivre. No que diz respeito ao volume nas transações, as coisas ficam mais simples: é 60% do volume transacionado fora do MercadoLivre e 40% do volume dentro dele, tudo isso em dólares.

Dessas transações, quantas são atribuídas à Argentina, ao México e ao Brasil, em termos percentuais?

O Brasil representa pouco mais de 50% das transações, Argentina e México estão próximos de 20% cada, e o resto se divide entre os demais mercados – Chile, Colômbia, Peru e Uruguai.

Como a participação do MercadoPago nos resultados do MercadoLivre poderia evoluir?

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Nos últimos anos, o crescimento das transações do MercadoPago foi superior ao do MercadoLivre. Desde o início da pandemia, tivemos um salto muito grande no volume de comércio eletrônico e, consequentemente, no volume de transações do MercadoLivre, mas após a normalização, a expectativa é que o MercadoPago continue crescendo mais rápido que o MercadoLivre, pois temos um mercado maior, porque não se trata apenas de comércio eletrônico, mas também participamos de transações no mundo físico.

A empresa aspira competir com os grandes bancos, ampliando, por exemplo, sua oferta de crédito?

Sim e não. Quando olhamos para a América Latina, no que diz respeito ao percentual do PIB formado pelo crédito, o valor é uma fração do que é em mercados mais desenvolvidos. Há espaço para que todos cresçam. Em nosso caso, a grande maioria dos créditos é para pessoas que não possuem uma linha de crédito no banco e estão recebendo crédito pela primeira vez. A maioria não é avaliada por crédito pelo sistema financiado ou é mal avaliada por ele. Acreditamos que estamos somando e ajudando a expandir o universo em vez de concorrer com bancos. No Brasil, acabamos de lançar nosso cartão de crédito. Até agora emitimos apenas débitos. No país, ele claramente compete um pouco mais com os produtos tradicionais, mas a maior parte do que fazemos com créditos é fornecê-los aos usuários do MercadoLivre ou do MercadoPago.

O MercadoPago planeja incorporar a posse e o envio de criptomoedas, como fizeram no Cash App e no Venmo, nos EUA?

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Nunca anunciamos com antecedência quais produtos vamos lançar, mas vimos o que eles estão fazendo, e é algo que estamos analisando de perto, então vamos aguardar para quando pudermos fazer um anúncio. Este início de compra de criptomoedas mostra que estamos convencidos de que há um potencial muito grande. Acreditamos que isso pode ser revolucionário para as finanças, então vamos ver qual é a melhor forma, mas de alguma forma vamos participar. O ramo imobiliário é mais sobre estratégias de marketing e sobre mostrar como alguns imóveis são precificados em criptomoedas, mas não é possível pagar por um imóvel em criptomoedas.

Quais áreas serão o foco do investimento na Argentina, e quais são seus principais objetivos de crescimento?

Quando comparamos os créditos como percentuais do PIB, a Argentina tem um dos números mais baixos da região. É uma fração do que é no Brasil ou no Uruguai, então há de fato uma grande oportunidade. Também no que diz respeito aos cartões de débito pré-pagos, lançamos cartões na Argentina e há muitos usuários que pela primeira vez podem consumir serviços digitais. Nosso código QR também é uma verdadeira revolução. Temos 1,3 milhão de empresas que cobram com o código QR do MercadoPago. Esses códigos, por meio do regulamento do Banco Central, vão se tornar interoperáveis para transferências 3.0. A meta é que isso ocorra em novembro deste ano. Na Argentina e em outros países da região, mais de 50% dos pagamentos de varejo ainda são feitos em dinheiro, e isso apresenta muitas desvantagens de custos, desigualdade, sonegação de impostos, então é necessário trabalhar para mudar isso.

O que deve acontecer para que a empresa possa crescer em crédito na Argentina?

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É definitivamente um desafio, mas nos sentimos confortáveis para continuar crescendo, porque realmente vemos muita demanda não atendida. Em geral, os créditos que oferecemos são curtos, normalmente em seis parcelas, e, portanto, os clientes estão atrelados a elas por seis meses. Os créditos para empresas que vendem em nossa plataforma são geralmente oferecidos para 12 ou 18 meses. Nesses termos, acredito que estamos confortáveis em continuar crescendo. Gastamos nosso próprio capital e depois secularizamos a carteira. Na Argentina, encontramos muitos compradores interessados em adquirir essas secularizações e essas carteiras. Isso permite nosso crescimento.

Em nível regional, quais são os principais objetivos de crescimento para os próximos anos?

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No MercadoLivre, o volume transacionado na última década cresceu em média mais de 50% ano a ano em dólares. No primeiro trimestre crescemos 82% em termos de dólares. No ano passado, crescemos 129%. Vemos uma oportunidade muito grande no México e principalmente no Chile e na Colômbia, [onde] até agora lançamos apenas uma parte dos produtos que temos. Com o cartão de crédito, expandimos a parte do crédito. E também estamos planejando a expansão de mais produtos de investimento para o Brasil.

Vocês fizeram cruzamento com o Banco Central em 29 de junho, após a liberação de recursos com cartões de crédito, o que os levou a mudar seus próprios prazos e comissões. Uma lei de fintechs, como a do México, poderia ser uma solução para esses problemas?

Não acredito que essa seja a solução. Há dois anos, o Banco Central acelerou as condições de pagamento de cartões de crédito. Antes, o prazo era de 18 dias úteis, e agora é de 10 dias úteis. Naquela época, o que fizemos foi melhorar os prazos de pagamento ou as comissões de todos os nossos clientes, repassando esse benefício aos usuários na Argentina. Atualmente, o Banco Central decidiu separá-los para as pequenas empresas e mudar esses prazos para oito dias, para as médias empresas, para dez dias, e para as grandes, empresas, para 18 dias. 99% de nossos clientes são pequenas empresas, então esperávamos que nos pagassem em oito dias, mas a interpretação do sistema financeiro e do Banco Central é que, como o MercadoPago é uma grande empresa, deve receber o pagamento em 18 dias. Infelizmente, é esse prazo que estamos passando aos usuários, da mesma forma que alteramos no sentido contrário há dois anos. Hoje sabemos perfeitamente se por trás de cada transação existe uma grande ou pequena empresa, que poderíamos compartilhar e usar – e que na verdade compartilhamos com a AFIP – para pagar as pequenas empresas mais rapidamente.

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Você vê uma vontade do Banco Central em esclarecer esses problemas?

Melhoramos nossa posição, mas o Banco Central a enxergou de maneira diferente, por isso, infelizmente, não foi possível lidar com os problemas. Acreditamos que importante era quem é o destinatário final dos fundos para interpretar a cadeia de pagamentos.

Como você vê a situação da concorrência entre as plataformas de pagamento na Argentina?

O setor de pagamentos no mundo está se tornando cada vez mais competitivo, porque os players tradicionais estão se modernizando e sendo mais agressivos, e há fintechs e empresas que até agora não eram fintech, por exemplo, o WhatsApp Pay no Brasil ou o Google Pay. Quem vai sair ganhando será o consumidor.

Francisco  Aldaya

Periodista argentino con más de 10 años de experiencia. Francisco cubrió al sector financiero latinoamericano en S&P Global Market Intelligence, y trabajó en las secciones de economía y política del Buenos Aires Herald. También ha colaborado con el Buenos Aires Times.