Bloomberg Opinion — Três gerações de mulheres da minha família frequentaram a Escola Secundária nº 3 de Xangai para meninas, que ficava ao lado da minha antiga casa. A escola produziu as esposas mais famosas de políticos da China do início do século XX: as famosas irmãs Song, Ailing, Qingling e Meiling, casadas com o banqueiro mais rico do país, com o fundador da república Chinesa e com seu general mais poderoso, respectivamente. Minha avó é uma egressa. Ela era uma elegante taitai – uma matrona privilegiada – com cinco filhos.
Quando eu frequentei a escola, seu conceito já era muito diferente. As mulheres não precisavam ser extensões de seus maridos. A independência e o sucesso pessoal eram incentivados. Nós praticávamos corrida e natação e vencíamos os meninos nas olimpíadas de matemática. Deveríamos nos tornar cientistas, tecnocratas ou escritoras (caso não fôssemos boas com números). Ou até banqueiras, políticas e generais.
A recomendação era que meninas inteligentes adiassem o casamento e a maternidade. Começar uma família muito cedo poderia ameaçar nossas carreiras. Isso, combinado com a política rigorosa de um filho por família da China, fez com que muitas não se casassem nem tivessem filhos, mesmo depois de mudar para o outro lado do mundo para seguir carreira.
Claro que nossos pais nos azucrinavam, principalmente durante o Ano Novo Chinês. Ao solicitar vistos de trabalho em Hong Kong, deveríamos selecionar a opção “solteirona” no formulário. Claro que era possível desconsiderar esse resquício burocrático da época colonial e também fugir da pressão familiar pelo casamento. A sociedade, em geral, tolerava solteironas como nós. Nós pagávamos impostos, gastávamos muito dinheiro, contribuíamos para o PIB e fazíamos a economia funcionar. Nós éramos bem sucedidas.
Mas, recentemente, não ter filhos se tornou o novo pecado. Enquanto a China inicia sua busca obstinada pela nova política de três filhos por família, as mulheres chinesas independentes estão sendo marginalizadas e excluídas – não apenas em termos de polêmicas políticas, mas em termos práticos e econômicos. Precisamos fazer muito mais para manter os privilégios de classe média.
Para seu crédito, o governo chinês decidiu que um dos principais motivos pelos quais as pessoas não estão tendo filhos é que os preços das casas estão muito altos. Nos últimos meses, as grandes cidades lançaram políticas de aquisição de casas para esfriar o mercado imobiliário efervescente e vender apartamentos para pessoas demograficamente corretas.
Minha cidade natal, Xangai, adotou um sistema de pontos: os possíveis os compradores precisam ter pontos suficientes para entrar no sorteio de apartamentos em novos empreendimentos imobiliários. É possível ganhar até 60 pontos se sua situação conjugal, de residência e de propriedade imobiliária corresponderem ao público-alvo demográfico do governo. Também é possível acumular mais pontos se estiver pagando o sistema de previdência social da cidade desde 2003.
Se eu quisesse fazer uma aquisição, já estaria 10 pontos atrás de um casal da mesma idade com filhos. Para ser elegível para alguns dos empreendimentos, eu precisaria ter pagado 8,3 anos a mais de previdência social para estar no mesmo patamar. Na verdade, estou no mesmo patamar daqueles que não possuem um hukou municipal ou uma autorização de residência. Eu teria de trabalhar muito mais para me tornar uma residente merecedora em Xangai.
Não me entenda mal – a paternidade não é fácil e vem com o próprio malabarismo insano entre carreira e filhos. Mas se uma mulher não quer ou não pode se reproduzir, ela deveria ser mais economicamente produtiva para merecer o mesmo lugar dentro da sociedade? Na China continental, esse parece ser a mentalidade emergente.
Nos EUA, dezenas de milhões de famílias receberam, no mês passado, cheques de crédito infantil no valor de até US$ 3,6 mil por criança. A maioria das pessoas não se importa em pagar mais impostos para subsidiar objetivos econômicos maiores. Mas não nos torne menos elegíveis do que outros para direitos fundamentais como possuir um imóvel.
Eu tenho muitas amigas solteiras que trabalham muitas horas abrindo o mercado chinês para bancos estrangeiros, viajando para o meio do nada para investigar empresas em dificuldades ou correr atrás de notícias urgentes. Quando elas começam a pensar sobre a vida pessoal, elas nadam contra a corrente do tempo e da demografia. Às vezes, ficarem sozinhas não é uma escolha, e sim a circunstância. Elas estão ocupadas contribuindo para o PIB.
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