Transmissões ao vivo e watch parties farão parte do evento para os espectadores
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Bloomberg Opinion — Quem desbancar a liderança dos 100 metros de Usain Bolt não terá a volta da vitória em Tóquio que o campeão aposentado teve no Rio de Janeiro em 2016. A terceira vitória seguida de Bolt na ocasião ocorreu aos 9,81 segundos, mas o desempenho ante uma torcida de 60 mil pessoas no estádio durou muito mais enquanto o atleta era coberto de adulações. O herói jamaicano parou para tirar fotos com sua famosa pose da vitória e então recebeu suas últimas duas de uma série de oito medalhas de ouro de sua carreira nas Olimpíadas.[1]

O próximo vencedor também receberá uma medalha de ouro – que deverá colocar sozinho em seu pescoço – chegará ao topo do pódio, ouvirá o hino nacional de seu país e entrará para a história. Mesmo assim, a glória será silenciosa. O estádio nacional do Japão será uma câmara de eco sem torcedores para limitar a disseminação da Covid-19. Não teremos as comemorações na arena, e provavelmente nem a volta da vitória – não tem motivos, já que a arquibancada estará vazia – e os replays da corrida e da comemoração certamente não chegarão a 14 milhões de visualizações no YouTube.

Já que a maior parte do público das Olimpíadas vai assistir de casa (2,6 bilhões de pessoas o fizeram em 2016)[2], é fácil rejeitar a importância das arquibancadas cheias para a prova de 100 metros e para os competidores – para muitos, é o que faz a diferença em quaisquer Jogos Olímpicos. Porém a torcida é importante em eventos como natação, ginástica, futebol e basquete, e é impossível replicar a animação nas arenas. Pelo menos os finalistas das corridas, juntamente com 11 mil outros atletas[3], terão algo que nunca lhes foi garantido: a chance de competir.

Com a pandemia chegando ao segundo ano, o Comitê Olímpico Internacional e os organizadores dos Jogos Olímpicos tiveram de escolher entre cancelar a competição – pouco provável se considerarmos as implicações financeiras e políticas – ou realizar o evento remarcado com condições mais rigorosas. A decisão de realizar os jogos foi tomada, o que acarretou outro conjunto de decisões com base nos esforços de Tóquio para interromper a disseminação do vírus e para acelerar a vacinação. Por fim, ter uma torcida ao mesmo tempo em que se tenta manter a segurança foi considerado impraticável. A continuidade do estado de emergência da cidade confirmou essa conclusão.

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Os eventos recentes serviram como comparação. O Tour de France deste ano se encerrou no último domingo, com torcedores ocupando as ruas enquanto ciclistas utilizavam máscaras antes e depois de cada dia da corrida. O Campeonato Europeu de Futebol – postergado em um ano como as Olimpíadas – tentou abordagens mistas: alguns estádios lotados e outros com ocupação limitada.

Porém, no maior evento esportivo do mundo, atletas, comissão técnica e emissoras estão entrando em um território novo à medida que buscam formas de manter a animação por mais de duas semanas em meio a novas orientações que visam equilibrar a natureza intimista de esportes competitivos e as exigências de saúde pública para limitar o contato.

Isso significa que nem quem é permitido nas arenas pode cantar ou torcer. A decisão gera preocupações sobre a cobertura televisiva sem som de emissoras que pagaram mais de US$ 4 bilhões pelos direitos[4]. Para a NBC, da norte-americana Comcast Corp., a estratégia é abordar o silêncio. A emissora tem “planos de sonoplastia” com foco nos atletas. Em vez de aumentar os barulhos da torcida para criar uma conexão com o público, de forma semelhante às risadas gravadas nas sitcoms, o plano é focar no áudio do esporte em si, “desde o barulho dos respingos de água nas piscinas até as conversas íntimas entre competidores e treinadores”, afirmaram os executivos no início do mês.

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Como os torcedores não poderão ir às Olimpíadas, a NBC planeja uma transmissão em todo o país para levar as Olimpíadas aos torcedores. O maior evento de transmissão será no Universal Resorts, em Orlando, onde uma watch party de duas semanas incluirá as famílias de alguns atletas e provavelmente também chegará às salas de outras pessoas, mostrando todo o drama e captando as respostas em tempo real. Quem acompanha o sorteio da NFL já conhece a tática para criar entusiasmo após o evento do ano passado, transmitido remotamente, com câmeras nas casas dos atletas para mostrar a tensão e as reações dos sorteios.

Isso pode funcionar para os espectadores, mas não para os atletas, embora as opiniões estejam divididas a respeito da melhora ou piora do desempenho em frente de grandes torcidas.

Para quem está acostumado com a energia, – basta ver os saltadores que incentivam as palmas da torcida – a calmaria pode ser prejudicial. Ainda assim, outros atletas que normalmente treinam e correm em silêncio podem ser intimidados pelo espetáculo. Existem também evidências que sugerem que o público afeta as decisões de arbitragem, normalmente resultando no favorecimento do time da casa ou do time com a maior torcida.

Uma forma de avaliar o efeito sobre o desempenho seria monitorar os recordes mundiais e olímpicos quebrados neste evento e comparar com eventos anteriores. De maneira semelhante, monitorar os melhores tempos ajudará a indicar se as condições especiais de Tóquio fazem a diferença.

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A torcida é apenas uma variável. As condições e o clima também influenciam – o clima mais quente afeta atletas de resistência, e o Japão estará sufocante. Não podemos nos esquecer que a maioria dos atletas interromperam sua preparação para o evento no ano passado, então qualquer abordagem estatística seria problemática.

Monitorar a audiência ajudará a constatar se os espectadores perdem o interesse com a ausência de torcida ou se sentem mais vontade de assistir aos jogos devido às alternativas limitadas conforme a pandemia avança. Dados da ESPN, emissora da The Walt Disney Co., sugerem que este é o caso, relatando aumento de 31 pontos percentuais na audiência do torneio de futebol mais recente na Europa entre o público norte-americano.

Talvez não devêssemos observar os números e o tamanho da torcida e da audiência. Em vez disso, é melhor aproveitar o espetáculo do esporte de alto nível e agradecer por estarmos vivos para assisti-lo.

  1. Bolt levou o ouro em 2008, 2012 e 2016 pelos 100 metros, 200 metros e 4x100 metros, mas em compensação perdeu o título do revezamento em 2008 quando um colega de sua equipe foi desclassificado por doping.
  2. Definida com no mínimo 15 minutos de visualização do evento. A marca de um minuto foi atingida por 3,2 bilhões de pessoas.
  3. Mais de 11 mil listados, mas o número real pode variar.
  4. Os direitos são vendidos a cada ciclo de Jogos Olímpicos de Inverno e de Verão, e os Jogos de Inverno de Pyeongchang em 2018 foram adquiridos juntamente com as Olimpíadas de Tóquio de 2020.

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