Bloomberg Opinion — Introduzida como resposta emergencial a uma queda grave na demanda total no fim de 2008 e no início de 2009, a flexibilização quantitativa se tornou, desde então, a principal ferramenta de bancos centrais de economias avançadas. A princípio, não há nada de errado com o processo. Os bancos centrais compram e vendem títulos dos governos há muito tempo para influenciar a oferta de dinheiro no mercado. Contudo, o grande volume de compras em 2020 e 2021, em circunstâncias nas quais uma injeção monetária substancial não seria muito clara, gerou preocupações sobre o efeito na inflação.
A inflação atual é de 5,4% nos EUA e 2,5% no Reino Unido, com mais aumentos esperados. Esse aumento dos preços foi maior do que o esperado pelos bancos centrais. Recentemente, os bancos começaram a recuar em seus compromissos com a estratégia de diminuir a inflação por mais tempo, assumidos quando a baixa inflação estava prevista para durar indefinidamente. Já é um começo, mas é necessário repensar quando e como utilizar a flexibilização quantitativa.
O Comitê de Assuntos Econômicos da Câmara dos Lordes do Reino Unido, do qual sou membro, emitiu um relatório sobre os desafios de utilizar as compras de títulos em grande escala como instrumento da política monetária. O título do relatório se traduz como Flexibilização quantitativa: um vício perigoso? e nossa resposta para essa pergunta seria “sim”.
O relatório tem quatro itens principais:
- Não seja refém. Apesar da política monetária e fiscal expansiva, os bancos centrais parecem ver os riscos da inflação como puramente transitórios. Alguns componentes do aumento da inflação relacionados aos efeitos de base quase certamente serão transitórios, e as taxas de crescimento da moeda circulante já estão começando a cair após índices excepcionalmente altos na virada do ano. Mesmo assim, a falta de preocupação que caracterizou as declarações dos bancos centrais – pelo menos nos últimos dias – incentiva a percepção de que os órgãos reguladores não mudam a mentalidade de diminuir a inflação por mais tempo. Isso importa porque, se a política ficar aquém das expectativas, o custo de lidar com o aumento da inflação será maior do que seria com uma abordagem prospectiva e preventiva.
- A flexibilização quantitativa não é a solução para tudo. Os bancos centrais pareceram pressupor que qualquer situação adversa justifica uma nova rodada de compras de títulos. A flexibilização quantitativa se tornou uma solução universal para praticamente qualquer adversidade macroeconômica. Porém apenas algumas situações exigem uma resposta por meio de uma política monetária. As explicações prestadas pelos bancos centrais para justificar a intensidade da flexibilização quantitativa em 2020 mudaram durante o ano e não faziam distinção entre situações adversas que justificavam uma resposta monetária ou não. Além disso, após uma década de crescimento vagaroso, ainda não é claro se um instrumento de políticas monetárias de curto prazo continuará sendo eficaz para aumentar os gastos e melhorar os resultados.
- A flexibilização quantitativa é um risco para a independência do banco central. O comitê analisou com atenção a relação entre a flexibilização quantitativa e as finanças públicas. A flexibilização quantitativa facilitou que governos financiassem déficits excepcionalmente grandes em seu orçamento durante as circunstâncias extraordinárias da Covid-19. Mas quando os bancos centrais reduzirem esse apoio, eles serão pressionados a ajudar a financiar os déficits correntes do orçamento ou manter as taxas de juros de curto prazo próximas a zero? Possivelmente sim. Os bancos centrais atualmente operam em um ambiente político mais complicado que há 20 anos.
- Tenha um plano de encerramento. A flexibilização quantitativa tende a ser utilizada em resposta a notícias ruins, mas não é revertida quando a situação termina. Como resultado, o estoque de títulos detidos por bancos centrais aumenta, expandindo seus balanços patrimoniais para o longo prazo. Quando os bancos centrais adotaram a meta inflacionária nos anos 90, havia clareza nas funções de suas reações políticas – a forma como a política mudaria em resposta aos desdobramentos – que eram cruciais para sua credibilidade. Atualmente, os órgãos reguladores se esforçam para explicar se e como a flexibilização quantitativa será revertida. Existe uma preocupação correta em desencadear uma reação aguda do mercado aos sinais de que as compras de ativos serão reduzidas, mas quanto mais tempo a confusão persistir, maior será o dano possível. O Banco da Inglaterra parece ter mudado de ideia quanto à rigidez da política monetária seguinte: Aparentemente, o plano atual é reduzir a flexibilização quantitativa antes que as taxas de juros aumentem. Nosso relatório pede muito mais clareza na concepção e explicação de ajustes futuros na flexibilização quantitativa.
Esperamos que esses pontos sejam levados em consideração não apenas no Reino Unido. O estoque de ativos adquiridos segundo a flexibilização quantitativa é enorme: São 30% do produto interno bruto dos EUA e 40% do PIB britânico. Nos últimos dias, em resposta aos novos números da inflação, membros do Comitê Federal de Mercado Aberto do Federal Reserve e membros do Comitê de Políticas Monetárias do Banco da Inglaterra disseram estar dispostos a reconsiderar as aquisições de ativos. Mas ainda não está claro como os bancos centrais farão esse ajuste e o anunciarão a investidores.
A flexibilização quantitativa está longe de ser uma política versátil – ou seja, uma resposta adequada a qualquer choque econômico – e é desejável apenas quando for necessária uma expansão monetária. Este não é um desses casos. O ritmo da flexibilização quantitativa precisa ser reduzido nos próximos meses, e os bancos centrais devem ajudar os investidores a planejar adequadamente.
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