Investidores apostam bilhões na mudança digital mais esperada do setor de saúde

Startups de atendimento médico receberam US$ 6,7 bilhões no início de 2021

Saúde
Por John Tozzi
30 de Junho, 2021 | 01:23 PM

Bloomberg — (Bloomberg) Investidores injetam uma quantia recorde em novas empresas que tentam transformar o setor de saúde dos Estados Unidos em ritmo acelerado.

Incentivado pela pandemia, o financiamento privado para empresas do setor de saúde atingiu novos picos em todos os trimestres desde o surgimento da covid-19. Investidores direcionaram um recorde de US$ 6,7 bilhões a startups de atendimentos digitais à saúde nos primeiros três meses de 2021, segundo a empresa de venture capital e pesquisa Rock Health. Em 2011, a Rock Health rastreou US$ 1,1 bilhão investidos em assistência médica digital no ano todo.

A entrada de dinheiro chamou a atenção de novos players. O JPMorgan Chase & Co. anunciou, na última semana, um novo negócio com braço de investimentos de US$ 250 milhões para transformar a cobertura de saúde de empregadores. As novas startups fecharam grandes negócios, como os US$ 500 milhões em março da farmácia online Ro, fundada em 2017. Além disso, empresas do setor de saúde sustentadas por venture capital chegam aos mercados públicos: a startup de seguro-saúde Bright Health Group, fundada em 2015, entrou com um pedido de oferta pública inicial na última semana.

A manutenção das taxas de juros baixas fez com que investidores buscasse retornos em novas áreas, injetando dinheiro em ativos desde títulos de alto risco até Dogecoin. O venture capital não é exceção – os fundos angariaram US$ 32,7 bilhões no primeiro trimestre, rumo à superação do recorde do ano passado, segundo dados do Monitor de Venture Capital da PitchBook-NVCA.

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Todo esse montante vai para algum lugar. À medida que a pandemia melhora nos Estados Unidos, uma parcela cada vez maior de investidores de venture capital decidiu que a turbulência causada pela covid-19 tem acelerado as mudanças já iniciadas no notoriamente ineficiente setor de saúde de US$ 4 trilhões dos Estados Unidos.

Grandes ambições não são novidade: antes do último empreendimento do JPMorgan, o banco abandonou seus esforços conjuntos com a Amazon e a Berkshire Hathaway. Mesmo assim, investidores acreditam que a pandemia catalisou mudanças duradoras na forma como os estadunidenses conseguem assistência médica previstas há anos.

“O setor de saúde está entre 10 e 20 anos atrasado em relação a todos os outros setores modernos em termos de adoção de inovação”, declarou Steve Kraus, sócio da empresa de venture capital Bessemer Venture Partners e membro da diretoria da Bright Health.

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Kraus começou a investir no setor de saúde há uma década, quando muitos prestadores de serviços de saúde ainda possuíam registros em papel. Ele afirma que o setor está melhorando. Segundo Kraus, “tudo aconteceu muito rápido e por conta da covid”.

Mudança Rápida

Um sinal de que o dinheiro está entrando rápido é que startups do setor de saúde estão obtendo financiamento assim que assinam suas term sheets. Dezenas de empresas de assistência médica digital receberam mais de uma rodada de financiamento em 2020, segundo dados compilados para Bloomberg pela Rock Health, um ritmo praticamente inédito há alguns anos.

A injeção de dinheiro nessas empresas é uma aposta multibilionária de que o setor de saúde está finalmente pronto para as mudanças tecnológicas que há muito tempo repaginaram os setores de varejo, software e a mídia. Essas mudanças aumentam novas fortunas e ameaçam modelos de negócios ultrapassados. Os investidores buscam apoiar as empresas que esperam ser a próxima Amazon, Salesforce ou Facebook do setor de saúde.

O venture capital do setor de saúde tem focado no desenvolvimento de novos medicamentos e dispositivos médicos. O negócio arriscado e custoso de desenvolvimento de novos medicamentos ainda recebe a maior parte dos investimentos de venture capital no setor de saúde.

Contudo, os investimentos vão cada vez mais para serviços e softwares de saúde. Nos últimos anos, o financiamento dessas áreas superou a quantia injetada em dispositivos médicos, segundo dados do Monitor de Venture Capital da PitchBook-NVCA. À medida que o valor total de investimentos de venture capital aumentar, a assistência médica digital e outros serviços se tornarão a maior parte do setor.

Mas o que representa essa mudança? Muitas organizações do setor de saúde tinham registros em papel até um passado recente. Há dez anos, pouco mais de 25% dos hospitais dos Estados Unidos adotaram registros de saúde básicos no formato eletrônico, que incluíam as anotações dos clínicos, segundo dados federais. O governo dos Estados Unidos investiu mais de US$ 35 bilhões para estimular prestadores de serviços de saúde a migrar para registros eletrônicos, e o setor caminha para uma troca mais fluida de dados entre diferentes empresas – embora com muita hesitação.

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“Existe muita infraestrutura a ser construída no que diz respeito a empresas de assistência médica digital”, declarou Megan Zweig, diretora de operações da Rock Health. “É mais fácil construir uma empresa agora que há cinco ou dez anos”.

Também existem outros fatores: a Lei de Assistência Médica Acessível (Affordable Care Act, em inglês) incentivou acordos de pagamento para atrelar os reembolsos à melhora de pacientes, não apenas à assistência proporcionada. A alta incidência de doenças crônicas e a população envelhecida motivam a demanda por ferramentas que ajudem as pessoas a manejarem sua saúde e viverem independentes por mais tempo. Pessoas de todas as idades esperam cada vez mais obter assistência médica da forma que consomem muitos outros produtos: Por meio de telas em computadores e celulares.

Aceleração pela Pandemia

Essas tendências começaram antes da pandemia, mas a covid-19 ultrapassou uma importante barreira que mantinha investidores longe do segmento de saúde: a inércia. Possíveis clientes como seguradoras, empregadores e hospitais costumam evitar riscos e adotar mudanças mais tardiamente. As startups de produtos para esses mercados podem acabar com seu dinheiro rapidamente esperando que as organizações se arrisquem experimentando novidades.

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“O problema era o crescimento lento e muito caro”, afirmou Bob Kocher, sócio da Venrock e investidor em serviços digitais de saúde de longa data. “Isso segurou as valorizações e assustou muitos investidores em tecnologia”.

A covid mudou isso muito rapidamente, pois o distanciamento social obrigou médicos e hospitais a realizarem atendimentos remotos. A pandemia “condensou 10 anos de novas práticas como atendimento virtual e telemedicina em seis meses”, segundo Kocher.

Em compensação, o financiamento tem acelerado. As empresas de assistência médica digital tem recebido quantias cada vez maiores em menos tempo. No primeiro trimestre, 17 empresas receberam rodadas de investimento de no mínimo US$ 100 milhões, segundo dados da Rock Health. Esse valor foi praticamente igual ao arrecadado em 2018 e 2019 somados. As empresas estão conseguindo esses “meganegócios” cada vez mais cedo, em média cinco anos após sua fundação.

Parte desse capital poderá incentivar a consolidação nos próximos meses e anos. Megan Zweig, da Rock Health, afirmou que empresas que atendem empregadores e planos de saúde descobriram que seus possíveis clientes estão sobrecarregados com a proliferação de “soluções pontuais” – produtos especificamente direcionados a doenças ou cuidados específicos, como diabetes ou doenças musculoesqueléticas.

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O mercado busca ofertas mais amplas, afirmou, e alguns dos investimentos em startups provavelmente serão destinados à aquisição de outras startups e à criação de ofertas mais abrangentes.

Cada vez mais empresas de assistência médica digital tornaram-se públicas ou foram adquiridas por preços atrativos, realizaram distribuições de dividendos a investidores e elevaram a confiança das empresas de venture capital no setor. “Por muito tempo não havia exit no setor de assistência médica digital; agora ele existe, e os investidores gostam de exit”, afirma Zweig.

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IPOs e aquisições de alto perfil nos últimos anos chamaram a atenção dos investidores ao provar a rapidez com que as startups de assistência médica digital podem multiplicar seu caixa. Em uma década, uma startup de assistência médica digital que tentava melhorar os cuidados com diabetes angariou silenciosamente US$ 240 milhões em venture capital. A empresa, Livongo Health, lançada em 2019, teve sua IPO avaliada em US$ 2,6 bilhões. No ano seguinte, durante a pandemia de covid-19, a empresa foi adquirida pela Teledoc Health Inc. por quase US$ 13 bilhões, cinco vezes seu valor na ocasião da abertura de capital.

“De repente os investidores reconhecerem ser possível ganhar muito dinheiro com isso”, afirmou o ex-presidente da Livongo, Glen Tullman, que atualmente lidera um novo empreendimento chamado Transcarent. “Essas empresas são reais”.

Financiamento Frenético

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Kraus, que integrou o comitê de investimento da Rock Health, reconhece que as negociações ocorrem a um ritmo frenético. “As avaliações são altas? Com certeza. A velocidade da negociação é muito rápida para mim? Definitivamente”, afirmou. “Existem muitas empresas que visam apenas o lucro”.

Contudo, afirma que não enxerga uma bolha no sentido de financiamento irracional em empresas com poucas perspectivas de negócios sustentáveis. Em vez disso, ele enxerga empresas com ideias sólidas buscando oportunidades reais de mercado em um setor que há muito precisava de mudanças.

Grandes empresas promovem cada vez mais a visão de um futuro com assistência médica de alta tecnologia. A Anthem Inc., segunda maior seguradora de saúde do país, afirmou que, em março, os investidores não a viam como uma seguradora de saúde, e sim como “uma plataforma digitalmente habilitada para o setor de saúde”, segundo o diretor-presidente Gail Boudreaux. A Cigna Corp. adquiriu a prestadora de serviços de telemedicina MDLive em fevereiro, e a Walmart Inc. está adquirindo a prestadora de serviços de telemedicina MeMD. A CVS Health Corp. anunciou um novo fundo de venture capital corporativo de US$ 100 milhões com foco em assistência médica digital.

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A única incerteza é se o grande fluxo de inovação abordará o problema fundamental do setor de saúde dos Estados Unidos: o preço. Empregadores, contribuintes e famílias pagam conjuntamente US$4 trilhões por ano, cerca de 18% do produto interno bruto, quantia significativamente maior que a maioria dos países desenvolvidos. Esse gasto desproporcional não aumenta a expectativa de vida nem proporciona uma saúde melhor em comparação a países que gastam menos.

Investidores e empreendedores que buscam transformar o setor de saúde não devem subestimar a dificuldade da mudança. “As pessoas no setor de tecnologia que não passaram tanto tempo no mundo de políticas de saúde costumam dizer que ‘primeiro chegamos lá e depois pensamos”, afirmou Paul Hughes-Cromwick, consultor de políticas de saúde em Ann Arbor, no estado de Michigan.

Quase todas as startups angariando investimentos prometem melhorar a assistência, reduzir o custo ou os dois. Para que novas empresas lucrem e reduzam os custos gerais, a redução de gastos de saúde deve ocorrer em outro setor – ou seja, no fluxo de receita de outrem. Do contrário, as inovações só representarão mais custos no sistema.

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Algumas partes essenciais da medicina, como cirurgias ou exames físicos, não serão substituídas. “Esse tipo de interação humana não vai acabar”, afirmou Hughes-Cromwick. “Há um fator limitante no que a tecnologia é capaz, mas seria besteira dizer que um dia isso não será possível”.

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