Ferrero à Mars: por que bilionários do setor ampliam impérios para além do chocolate

Empresas globais dominantes investem em M&As para entrar em categorias como cereais e snacks e aceleram a diversificação de seus impérios de doces em meio à alta do preço do cacau

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Bloomberg — O personagem magnata dos doces Willy Wonka desprezava cereais, chamando-os de “nojentos” e feitos de raspas de lápis.

Mas, para a Ferrero, cujo fundador era frequentemente comparado ao personagem —, os alimentos matinais representam um passo importante na diversificação de um império do chocolate.

A aquisição da WK Kellogg por US$ 3,1 bilhões, pela fabricante da Nutella, é a maior compra da gigante italiana de doces em seus 79 anos de história.

Também sinaliza uma mudança na fortuna da família Ferrero, estimada em US$ 50,4 bilhões e fortemente atrelada a guloseimas, indo da tradicional pasta de avelã com cacau, a Nutella, para balas como o Tic Tacs e os ovos e as barras Kinder.

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A Kellogg, com sede em Battle Creek, no estado americano do Michigan, é dona de marcas como Frosted Flakes (conhecido como Sucrilhos no Brasil), Froot Loops, Rice Krispies e Corn Flakes — exatamente o tipo de cereal que irritava Wonka no clássico infantil de 1964, A Fantástica Fábrica de Chocolate, de Roald Dahl.

O obsessivo e reservado ex-CEO da Ferrero, Michele Ferrero, era frequentemente visto como uma versão real do excêntrico chocolatier fictício.

Para a Ferrero, o negócio oferece uma espécie de “colchão” contra a volatilidade dos preços do cacau e amplia sua presença na América do Norte, mesmo que as vendas de cereais tenham caído nos últimos anos.

A Ferrero teve receita de € 18,4 bilhões (US$ 21,5 bilhões) nos 12 meses encerrados em agosto de 2024, um aumento de 9% em relação ao ano anterior.

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O acordo também faz com que os dois lados da antiga Kellogg, dividida em 2023, sejam absorvidos por impérios familiares de doces, controlados por algumas das famílias mais ricas do mundo.

A Mars concordou em comprar a divisão de snacks, a Kellanova, no ano passado por US$ 36 bilhões.

“A seção de cereais do supermercado já não é o destino que costumava ser, mas para a Ferrero isso pode ser exatamente o motivo pelo qual a aquisição faz sentido”, disse Mitchell Olsen, professor de marketing da Universidade de Notre Dame.

Segundo ele, os cereais estão se tornando mais comuns como lanches em qualquer horário, o que abre oportunidades para novas combinações de sabores usando marcas da Ferrero.

“Ajuda a Ferrero a se estabelecer em mais uma categoria do varejo alimentar.”

A compra também permite à Ferrero entrar no mercado de café da manhã, uma categoria em que a empresa tem pouca atuação além da Nutella, que ainda não é amplamente consumida como alimento matinal nos EUA.

“A Ferrero realmente quer conquistar a mesa do café da manhã”, disse o analista da Bloomberg Intelligence Duncan Fox.

Diversificação rápida

A empresa conhecida pelos M&M’s é controlada pela família Mars, cuja fortuna combinada é de cerca de US$ 142 bilhões, segundo o índice de bilionários da Bloomberg.

A Mars atualmente gera a maior parte de seus US$ 54,6 bilhões em receitas com produtos para pets, com marcas como Royal Canin, Pedigree e Whiskas, mas busca ampliar sua presença em snacks salgados, em parte para reduzir a exposição ao chocolate.

Além da disparada nos preços do cacau e dos desafios logísticos agravados pelas mudanças climáticas, a Mars e a Ferrero também enfrentam a ameaça representada por uma nova e poderosa classe de medicamentos para emagrecimento, como o Ozempic.

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Entre todos os tipos de alimentos, os doces são os mais vulneráveis às mudanças de hábito dos consumidores provocadas por esses remédios.

Usuários de GLP-1 entrevistados em uma pesquisa da Bloomberg Intelligence disseram ter reduzido o consumo de doces em 71% e aumentado o de frutas e vegetais frescos em 34% desde que começaram o tratamento.

Somam-se a esses desafios os esforços do secretário de Saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr, para proibir corantes alimentares artificiais, um ingrediente presente em produtos como M&M’s e Froot Loops, da Mars e da Kellogg, respectivamente.

Sob o comando da Ferrero, a WK Kellogg tem o potencial de se tornar uma ponte entre duas culturas alimentares, transformando-se de símbolo de excesso de açúcar em um exemplo de reinvenção consciente, segundo Carlo Fei, professor de administração e negócios da Universidade Luiss, em Roma.

“Em um mundo cada vez mais polarizado, a ideia de que uma empresa europeia possa se tornar protagonista na evolução da indústria alimentícia americana é uma mensagem poderosa”, acrescentou Fei.

Sucessor na Ferrero

O processo de diversificação da Ferrero, que envolveu ao menos uma dúzia de aquisições na última década, incluindo sorvetes, barras proteicas e biscoitos, tem sido conduzido por Giovanni Ferrero, filho de Michele.

Ele assumiu sozinho o cargo de CEO em 2011 após a morte do irmão e único irmão, vítima de um acidente de bicicleta na África do Sul.

Giovanni, hoje com 60 anos, deixou o comando executivo em 2017 para se tornar presidente do conselho, com foco na estratégia.

Romancista nas horas vagas, Giovanni também investe em alimentos e doces fora do grupo familiar por meio de sua gestora de investimentos, a CTH.

Desde sua fundação, em 2016, ele comprou fabricantes de biscoitos na Bélgica, no Reino Unido e na França, e adquiriu, em 2023, a americana Jelly Belly, de balas de goma, por valor não revelado.

“Trouxemos marcas populares e enraizadas localmente para o nosso portfólio”, disse Giovanni em uma rara aparição pública em abril. “É uma forma concreta de honrar a nossa herança.”

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