Além da conta global: como a Nomad quer se tornar a principal escolha da alta renda

Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO Lucas Vargas e o Head de Investimentos, Caio Fasanella, contam sobre os resultados da plataforma de ativos no exterior em ritmo acima do esperado e as oportunidades com a relação de confiança com clientes

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Bloomberg Línea — Há pouco mais de um ano, a Nomad lançou um cartão de crédito para uma pequena fração de sua base de clientes. A fintech que nasceu com a proposta de se tornar um hub de serviços financeiros para brasileiros no exterior começou a testar a aderência de produtos que fazem parte da jornada de um cliente também no país.

“É um produto muito diferente do core e temos sido cautelosos. O desenvolvimento levou um ano. E hoje são apenas 15.000 clientes, de uma base de 3 milhões que possuem conta lá fora. Há uma fila de espera com centenas de milhares de pessoas", disse Lucas Vargas, CEO da Nomad, em entrevista à Bloomberg Línea.

Esse período de pouco mais de um ano tem sido utilizado para que a empresa fundada no fim de 2020 possa aprender mais sobre o comportamento do cliente, sem queimar etapas, de modo a gerar mais confiança sobre como gerenciar o produto.

Segundo Vargas, o tíquete médio do cartão é elevado para a categoria de alta renda, e o cliente tem um engajamento maior, com o incentivo de uma plataforma com benefícios vinculados a pontos que dependem do nível de gastos.

A escolha do cartão de crédito não se deu por acaso.

“Pensamos nos profit pools desse perfil de cliente de alta renda e em como podemos participar e oferecer mais. É natural que o maior [profit pool] seja doméstico e que o Brasil, portanto, acabe sendo uma expansão natural“, completou.

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Essa visão de médio prazo é fundamental para definir a estratégia - e o plano de ações - nos próximos anos, de acordo com o executivo.

E ajuda a entender a evolução de uma das fintechs que mais atraem a atenção em um segmento dos mais concorridos da economia, que conta com players globais como Revolut e Wise, neobancos nacionais como C6 Bank e Inter e forças especializadas na área de investimentos, como BTG Pactual e XP, sem contar bancos incumbentes como Itaú - em parceria com a Avenue, da qual é sócia - e Bradesco.

“Se entendemos que temos condições de ser o banco principal desse perfil de alta renda daqui a cinco anos, temos que pensar: como é que chegamos lá e por onde começamos?”, disse Vargas sobre o racional dos planos.

Uma das pioneiras no produto de conta global para brasileiros no exterior, fundada por por Eduardo Haber, Patrick Sigrist e Marcos Nader, a Nomad se tornou não só um dos principais players do segmento como desenvolveu uma expertise.

Nessa jornada, a fintech tem alcançado de forma sucessiva novos milestones, como a marca de R$ 7 bilhões em ativos sob custódia (AuC) e de US$ 120 milhões em ARR (receitas recorrentes anualizadas). E alcançado o breakeven em alguns meses deste ano, em um relevante marco operacional.

“Trouxemos algumas ‘coisas’ para dentro de casa, melhoramos margens e isso permitiu que a empresa gerasse caixa em alguns meses do primeiro semestre, antes mesmo do esperado”, contou o CEO da Nomad.

Também colheu dados que corroboraram a visão presente desde a largada de que o brasileiro não buscava apenas uma conta para gastos em moeda estrangeira mas, sim, uma vida financeira completa do exterior.

Um dos pilares mais relevantes dessa vida global é o de investimentos, que se tornou prioridade ao longo do último ano, com dedicação para a construção de produtos e a obtenção de licenças, no exterior e no Brasil (veja mais abaixo). Isso tem demandado, por sua vez, a contratação de profissionais e de executivos.

Prioridade em investimentos

São cerca de 100 profissionais dedicados à área, dos pouco mais de 500 em toda a empresa - que teve um crescimento perto de 5% neste ano.

Á área é liderada por Caio Fasanella, Head de Investimentos, que tem ficado na “ponte-aérea” entre São Paulo e Miami, onde fica o escritório da recém-iniciada corretora do grupo após a obtenção da licença de broker dealer.

Essa licença passou a permitir a verticalização de parte da operação de investimento e a melhora do seu unit economics, o que no fim do dia reforça o resultado dessa frente de negócios - e é uma das razões para o breakeven.

Outra licença é a de Money Transmitter License (MTL), que permite conectar a área de banking com a de investimento.

A Nomad concluiu essa priorização de investimentos na virada de 2024 para 2025, em momento que incluiu a citada licença de corretora nos EUA e o lançamento da plataforma de renda fixa no exterior.

O plano de ação incluiu avançar em comunicação e marketing - como a campanha com o ator Will Smith no ano passado -, com produção de conteúdo na área de research, para apoiar esse portfólio completo de produtos de investimento.

Nessa frente, a Nomad montou um novo time e trouxe nomes como Danilo Igliori como economista-chefe (ele ocupava o mesmo cargo na OLX) e Paula Zogbi como estrategista-chefe (até então Head de Conteúdo na XP).

O canal da fintech no YouTube é considerado o maior do país hoje dedicado integralmente a quem busca informação sobre investimento no exterior, com mais de 800 mil inscritos e um morning call no começo de cada semana.

Outro passo importante foi o recém-anunciado lançamento da Nomad Wealth, serviço de consultoria de investimentos para clientes de alta renda, que tenham a partir de US$ 25.000 investidos na plataforma. A liderança está a cargo de Igliori.

A fintech tem avançado também na distribuição a partir de sua plataforma.

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Uma das novas iniciativas são parcerias com escritórios “agnósticos” do ponto de vista de corretora que prestam consultoria a investidores de alta renda (acima de R$ 200 mil até R$ 10 milhões), no modelo de wealth services.

Além do acesso a uma “prateleira” amplamente diversificada em termos de produtos, a Nomad consegue oferecer o conteúdo acima citado.

“Os produtos e os negócios de banking seguem em expansão, com mais produtos, mais oferta e mais captação, em paralelo com o avanço na infraestrutura para investimentos e tudo o que isso envolve”, disse o CEO.

À medida que a fintech conclui algumas das iniciativas que corriam em paralelo e que avança com a consolidação dos produtos oferecidos em uma plataforma única, seja de renda fixa como variável, consegue “atacar” outras frentes.

Uma delas é a de câmbio, em que a Nomad também avança dada a obtenção da licença para atuar como DTVM no Brasil, o que permite lançar um número maior de produtos e, como consequência, ampliar a oferta aos clientes.

É o último dos três pilares - banking nos EUA e investimento nos EUA foram os dois primeiros - em que a Nomad está para concluir a “fase 2.0″.

Todo esse processo de reforço de sua estrutura tecnológica, por sua vez, tem reflexos importantes no resultado e no plano de ações de médio prazo.

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“Isso [essa geração de caixa] veio em razão principalmente do nosso produto de câmbio”, disse Vargas, citando impacto tanto em despesas como em receitas.

A recente marca inédita de US$ 120 milhões em receitas recorrentes anualizadas (ARR) se deu também como reflexo do momento de ganho de margem e de eficiência da operação.

“Estamos crescendo mais de 80% ano contra ano”, disse Vargas.

Novas evoluções na plataforma devem reforçar o ganho de eficiência e, portanto, acelerar a geração de caixa.

Segundo ele, isso indica um segundo semestre também de resultados melhores que o esperado, o que permitirá acelerar alguns projetos que estavam inicialmente previstos para um momento posterior.

“Tudo isso” em momento de grande incerteza para o brasileiro, destacou. Ao mesmo tempo, ele disse que a conjuntura favorece a busca por soluções como as oferecidas pela Nomad, de construção e proteção de patrimônio no exterior.

Recordes sucessivos de captação

“Tivemos recorde atrás de recorde em captação no fim do ano passado, quando governo anunciou um pacote fiscal que decepcionou o mercado e o dólar disparou para R$ 6,20″, disse Fasanella, ao esclarecer que o sentimento de incerteza pesou, na prática, mais do que a taxa de câmbio então desfavorável.

Movimentos semelhantes aconteceram com o anúncio inicial das tarifas de Donald Trump em abril e, mais recentemente, em maio, com o decreto de aumento das alíquotas de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) no Brasil.

“De certo modo, a volatilidade ajuda a captação, do ponto de vista de diversificação geográfica e de moeda que o brasileiro busca em momentos assim”, disse o Head de Investimento da Nomad. Segundo ele, ativos de renda fixa americana, como títulos do Tesouro, estão entre os mais demandados pelos clientes.

“É um movimento que está muito no começo ainda”, disse Fasanella, citando estimativas que apontam que o volume de ativos de brasileiros no exterior de varejo e de alta renda (ou seja, sem incluir dados de private nem de wealth) ainda está na faixa de 1% a 1,5% do total investido, ou cerca de R$ 50 bilhões.

Com base nos quase cinco anos de operação da Nomad, o CEO disse que existe uma espécie de jornada que começa com awareness, ou seja, com o conhecimento da marca e do mercado offshore de modo geral e, em momento posterior, segue com a busca por ocasiões que pareçam ao cliente mais apropriadas.

“Vemos os momentos em que há picos de downloads do app, por exemplo, depois de abertura da conta, sem que isso signifique a consequente transferência pelo Pix e depois a conversão do câmbio para dólares”, disse Vargas.

São essencialmente novos clientes que descobrem como dispor de conta global e de ativos no exterior, o que sinaliza o estágio ainda inicial do segmento.

Em geral, o uso de algum produto de banking acaba sendo o primeiro de relacionamento do cliente com a Nomad e precede o investimento.

Mas o que tem acontecido, segundo os executivos, é a aceleração dessa dinâmica, a tal ponto que hoje cerca de 10% da base de clientes têm investimentos - 350 mil pessoas. Entre 2022 e 2023, a fatia estava na casa de 2%.

Como reflexo desse fenômeno, a Nomad tem conseguido preservar o tíquete médio por cliente apesar da expansão da base, dado que aqueles das novas safras - cohorts - estão com valores mais altos na comparação histórica.

“Como observamos a dinâmica da jornada do nosso cliente, conseguimos prever como ele colocará dinheiro ao longo do tempo. E existem fluxos que falamos que, de certa forma, é como se já estivessem contratados”, disse Fasanella.

Um exemplo se dá com a demanda por ativos de renda fixa, com a plataforma que oferece títulos do Tesouro americano, do Tesouro brasileiro em dólares e de corporate bonds americanos e brasileiros, acessíveis em geral a partir de US$ 1.000.

Os Treasuries, em particular, estão entre os primeiros ativos offshore buscados pelo cliente investidor da Nomad, seguido por ETFs ou ações de tecnologia, ligadas a teses como IA (Inteligência Artificial) ou mesmo índices como o Nasdaq.

Nos planos está uma “prateleira” de mutual funds (equivalentes aos multimercados no Brasil), ainda que a ampla oferta de ETFs existentes no mercado americano - mais de 2.500 produtos - já enderece a questão do ponto de vista de oferta.

A fintech também vai unificar a custódia dos ativos de renda fixa e variável, o que se traduzirá em menos tempo para a realização das operações. As citadas duas novas licenças nos EUA - a de corretora e a de transferências - devem permitir uma experiência melhor para o cliente, com transações instantâneas.

Potencial com ativos lovcais

No futuro, a Nomad avalia que pode fazer sentido oferecer produtos de investimento domésticos, dada a relação mais próxima construída com o cliente de alta renda. Exatamente como mencionou o CEO anteriormente.

“É natural pensar que, como já temos a confiança dos clientes para uma parte relevante do patrimônio, se continuarmos a oferecer uma boa experiência, sem fricção, teremos como abarcar outra parte desses recursos”, disse o Head de Investimentos. “Aumentaríamos o share of wallet.”

Isso aconteceria na medida em que avança o relacionamento do cliente com a Nomad, dentro das safras, com aumento dos recursos alocados e do tíquete médio até chegar à fatia aproximada de 20% a 30% do patrimônio no exterior.

“Vemos uma oportunidade para triplicar, quadruplicar os ativos dos clientes [com a Nomad] só pensando em uma prateleira de produtos locais”, disse Fasanella, fazendo a ressalva de que se trata de um mercado muito competitivo.

São discussões e planos para o futuro que já possuem alicerces bem estruturados e cujos resultados iniciais ajudam a sustentar a confiança no modelo - caso do cartão de crédito.

O modelo adotado pela Nomad, com sua própria plataforma para acessar ativos offshore, favorece a competitividade em termos de custos, dado que elimina uma camada de intermediário que pode existir para outros players.

“Não temos nem cinco anos. Nós nos permitimos ainda ter uma cabeça fértil para sermos ambiciosos”, disse o CEO da Nomad.

“Pensamos em outras geografias, B2B, B2C, verticalizar mais e oferecer infraestrutura as a Service... no fim, discutimos diferentes possibilidades", completou, ressaltando que por ora são ideias na mesa.

Isso já acontece na área de câmbio, com atendimento a outras startups no modelo as a Service, ainda que isso tampouco seja o core da companhia.

Evolução comparável à do Nubank

Segundo ele, ao pensar nos próximos cinco anos, os números permitem que a Nomad e seus fundadores e executivos tenham um nível alto de ambição, citando um caminho para receitas anualizadas de R$ 1 bilhão até o fim do ano, geração de caixa e um montante de recursos captados com fundos inferior ao de pares como o Nubank - com as devidas diferenças - em estágio semelhante de vida.

“Esse plano mais ambicioso envolve essas várias vertentes mas prioritariamente, e o que é mais orgânico, servir esse mesmo cliente com o qual já construímos uma relação”, disse Vargas.

A priorização da plataforma de investimentos marcou, de certa forma, uma volta às origens, dado que a licença original da Nomad foi justamente nessa área, a de Investment Advisory nos EUA.

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No primeiro momento, porém, a estratégia foi chegar ao mercado com produtos de banking, como conta, cartão e pagamentos, no fim de 2020.

Depois de um primeiro ano com as fronteiras ainda fechadas para viagens de brasileiros ao exterior em razão da pandemia, a Nomad começou a ganhar tração a partir de 2021 para 2022.

Nesse momento, a empresa começou a internalizar algumas áreas, o que veio a se mostrar como uma estratégia adotada. “Lançamos serviços com diferentes parceiros e, à medida que eles não conseguem acompanhar a nossa velocidade de crescimento, tomamos a decisão de internalizá-los”, disse o CEO.

A prioridade foi a finalização da “prateleira” de banking, em processo que acabou concluído no fim de 2023. À época a fintech acertou a sua última captação até o momento, uma Série B de US$ 61 milhões (cerca de R$ 300 milhões no câmbio então corrente) liderada pela Tiger Global.

A fintech conta atualmente com cerca de R$ 100 milhões em caixa, nível semelhante ao do início do ano, em situação considerada confortável, sem necessidade de nova captação no curto prazo - dado que já começa a gerar caixa.

O cap table conta também com investidores como a Stripes, que liderou a extensão da Série A, e a Spark Capital e a monashees, que estiveram à frente da Série A, entre muitos outros que acompanharam as rodadas realizadas.

“À medida que lançamos novos produtos, e isso deve ocorrer em particular no próximo ano, isso [uma nova captação] estará no rol de possibilidade", disse o CEO.

- Matéria corrigida às 10h45, com a informação correta de que a Nomad Wealth não opera no modelo fee-based. O serviço de consultoria é prestado sem cobrança a clientes que tenham a partir de US$ 25 mil na plataforma.

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