Bloomberg — A abertura de investigação pelos EUA contra o Brasil sobre práticas comerciais consideradas injustas repentinamente ordenada pelo presidente Donald Trump abalou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite de terça-feira (15), enquanto toda a energia estava em encontrar formas de negociar as tarifas de 50% anunciadas na semana passada.
Ex-ministro de Relações Exteriores e principal assessor de Lula para assuntos geopolíticos, o embaixador Celso Amorim classificou a medida como uma ameaça injustificada que contribuiu para levar as relações entre os dois países ao nível mais baixo em mais de um século.
Em entrevista por telefone à Bloomberg News, Amorim criticou duramente a investigação comercial da Seção 301 com base na lei de comércio americana, que acusa o Brasil de impor restrições injustas às exportações da maior economia global.
“A simples ameaça do uso da Seção 301 já cria um tumulto em quem acha que pode ser objeto de sanções unilaterais, e é uma forma que torna a negociação muito difícil. É como você negociar com o cano do revólver na cabeça,” disse o embaixador. Amorim descreveu a medida como “a bomba atômica das armas comerciais.”
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Formalmente iniciada na terça-feira pelo Representante de Comércio dos EUA, a investigação busca avaliar políticas brasileiras “relacionadas ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas preferenciais injustas; interferência em medidas anticorrupção; proteção à propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal”, segundo documento informativo dos EUA que acompanhou o anúncio da abertura da investigação.
Amorim, diplomata com seis décadas de experiência e mais longevo ministro das Relações Exteriores, argumentou que a inoperância do sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) agrava ainda mais o conflito.
A possível investigação do Brasil sob a Seção 301 foi anunciada pela primeira vez por Trump em uma carta postada nas redes sociais na semana passada, que também incluía a ameaça de impor uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras a partir de 1º de agosto.
Segundo autoridades brasileiras, o governo Lula foi surpreendido pelo timing da abertura da investigação, justamente quando havia formado uma força-tarefa para dialogar com líderes empresariais afetados pelas tarifas iminentes dos EUA.
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Horas antes do lançamento oficial da investigação, autoridades brasileiras enviaram uma carta ao secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, e ao representante comercial, Jamieson Greer, solicitando a abertura de negociações e pedindo diálogo.
Na documento, o governo mencionava possíveis pontos de negociação apresentados inicialmente em maio, embora os EUA ainda não tenham respondido.
“O governo do Brasil reitera seu interesse em receber comentários do governo dos EUA sobre a proposta brasileira,” diz trecho da carta. “O Brasil permanece pronto para dialogar com as autoridades americanas e negociar uma solução mutuamente aceitável sobre os aspectos comerciais da agenda bilateral, com o objetivo de preservar e aprofundar o relacionamento histórico entre os dois países e mitigar os impactos negativos da elevação de tarifas em nosso comércio bilateral.”
Amorim afirmou que os argumentos apresentados pelos EUA para justificar a investigação da Seção 301 são inconsistentes e parecem ter como objetivo pressionar o Brasil. Ele disse que as relações diplomáticas entre os dois países estão em seu ponto mais baixo desde o início dos anos 1900.
Pressão adicional da OTAN
Agravam ainda mais as tensões comerciais as declarações feitas também na terça-feira pelo secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte, que alertou que Brasil, China e Índia podem enfrentar sanções secundárias dos EUA devido às compras de petróleo da Rússia.
“Minha recomendação a esses três países em particular é: se você está agora em Pequim, em Nova Délhi ou é o presidente do Brasil, talvez deva prestar atenção nisso, porque isso pode atingi-los com força,” disse Rutte a jornalistas.
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As declarações de Rutte foram mais um elemento na escalada das tensões entre os governos Lula e Trump, segundo duas pessoas com conhecimento da situação, que classificaram os comentários como incoerentes, contraditórios e inadequados. Elas destacaram que países membros da Otan, como Turquia, Hungria e Eslováquia, também compram petróleo da Rússia.
Essas fontes afirmaram ainda que o governo brasileiro tradicionalmente não apoia sanções que não sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.
Amorim também criticou as declarações de Rutte. “Esta é uma interferência totalmente indevida e mais absurda porque, bem ou mal, é uma organização da qual o Brasil não faz parte nem quer fazer parte. Ele tem que ter um pouco mais de responsabilidade no que ele fala”, disse o embaixador.
Segundo uma pessoa familiarizada com o assunto, que pediu anonimato para tratar do tema, a prioridade do governo brasileiro agora é encontrar uma solução para evitar as tarifas de 50% prometidas pelos EUA e não perder energia debatendo com um organismo do qual o Brasil não faz parte.
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