Bloomberg Línea — Enquanto os preços de grandes vinhos do mundo atingem patamares cada vez mais altos, a vinícola chilena Lapostolle tem conseguido manter o foco em uma estratégia que pode se beneficiar desse movimento. Ao produzir rótulos de alta gama, com inspiração francesa, ela tenta se posicionar como alternativa mais acessível aos grandes nomes da Europa, especialmente de Bordeaux.
Em um momento tenso para o mercado global de vinhos, o caminho construído pela vinícola não passa por competir diretamente com outras vinícolas chilenas.
Em vez de disputar com Concha y Toro e Ventisquero, que oferecem desde vinhos de preços mais baixos até os mais caros, de alta qualidade, o foco é outro.
Para o CEO da Lapostolle, Charles de Bournet, a comparação deve ser feita com o cenário internacional de grandes rótulos, com garrafas que chegam ao mercado por valores acima de R$ 200.
“A verdadeira concorrência está fora do Chile. O desafio é fazer o mercado entender que temos vinhos que custam até um décimo de alguns Bordeaux e são até melhores”, disse em entrevista à Bloomberg Línea, durante passagem por São Paulo.
Uma garrafa do ícone da vinícola, o Clos Apalta, custa R$ 2.257,60 na Mistral, importadora oficial no Brasil. Se isso parece caro, argumentou o CEO, “é só uma fração do preço de um Château Margaux”, ícone francês, que custa R$ 22.519,53 na mesma importadora. “Por uma qualidade comparável”, defendeu.
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No Brasil, esse posicionamento e esse apelo têm ganhado força entre consumidores, e o país já figura entre os principais mercados internacionais da marca.
“Hoje o Brasil está entre nossos cinco mercados mais importantes no mundo, ao lado de Estados Unidos, China, Chile e Coreia do Sul”, disse Bournet, sem revelar o faturamento da empresa.
“O consumidor brasileiro entende isso muito bem. Ele pensa: por que pagar mais, se tenho Clos Apalta aqui ao lado, por um preço muito bom?”
Segundo ele, o consumidor brasileiro também mostra afinidade com o estilo de vinho elaborado pela Lapostolle, que “combina corpo e elegância” e se adapta bem à gastronomia local. “Acho que nossos vinhos funcionam melhor com a comida brasileira, que tem muita carne, muito sabor”, disse.
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Vinho global, desafios globais
A Lapostolle é uma empresa chilena com capital estrangeiro.
A família de Bournet é francesa, e o CEO hoje está baseado em Londres. A vinícola tem como seu principal terroir a região de Apalta, com uma produção anual entre 1 milhão e 1,5 milhão de garrafas.
Apesar da sintonia que vê com o mercado brasileiro, Bournet afirmou que os vinhos da casa não são desenvolvidos com foco comercial em públicos ou países específicos.
“Não produzimos vinhos pensando em marketing. A Lapostolle é uma vinícola super premium, com vinhos de origem e estilo de vinificação francês, como é tradição da minha família”, disse.
A relação com o Brasil se estende também ao enoturismo. A vinícola oferece uma hospedagem em Apalta e tem brasileiros como o segundo maior público internacional, atrás apenas dos norte-americanos, segundo Bournet.
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Em meio a uma crise de consumo e de excesso de oferta no setor, que levou regiões como Bordeaux a arrancarem milhares de hectares de vinhedos, Bournet disse que a prioridade é ajudar os importadores a escoar os vinhos.
“Hoje estamos muito focados na parte comercial. A vinícola funciona muito bem, com uma equipe consolidada. O desafio está na distribuição”, explicou.
Ele observou que o impacto atual é mundial, sem possibilidade de compensação geográfica, como em crises passadas.
“É a primeira vez que há problemas em todas as partes do mundo. Antes, se a Ásia não estava bem, focávamos em outro mercado. Agora, o desafio é global.”
Para o executivo, entretanto, em sua avaliação, os problemas são mais circunstanciais que sistêmicos, relacionados ao custo de vida elevado.
“Há os juros altos, a inflação alta, portanto, tem a ver mais com o tema do dinheiro disponível para produtos como o vinho, que não são de primeira necessidade”, disse.
Além das dificuldades econômicas, a Lapostolle também enfrenta barreiras comerciais, como as tarifas de importação impostas pelos Estados Unidos.
Bournet citou o impacto da tarifa de 10% imposta por Donald Trump, que, somada aos custos de distribuição, pode gerar aumento de até 30% no preço final do vinho. “Não é possível simplesmente cortar margem em uma vinícola de alto padrão”, disse.
Apesar da crise global, o mercado brasileiro tem se mostrado mais resistente. “Eu creio que Brasil é o país onde menos estamos afetados por isso”, disse.
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