Quem vai liderar a negociação do Brasil com os EUA de Trump; e quais os próximos passos

Vice-presidente Geraldo Alckmin vai liderar comitê interministerial que se reunirá com empresas e setores mais afetados, tanto da indústria como do agronegócio; plano inicial envolve mobilizar empresas americanas prejudicadas por tarifas de 50%

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Bloomberg Línea — O governo brasileiro decidiu ouvir representantes do setor privado antes de definir uma estratégia de negociação com os Estados Unidos de Donald Trump para tentar evitar as tarifas de importação anunciadas para entrar em vigor a partir de 1 de agosto.

Com esse objetivo, o governo criou um comitê de trabalho interministerial, que vai se reunir com setores empresariais da indústria e do agronegócio.

Não faz parte da estratégia, portanto, colocar na mesa de discussão pontos que têm sido classificados como “inegociáveis” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por todo o governo e que foram alvo das exigências de Trump: extinguir o processo no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de estado e limitar a atuação da Corte mais alta do país no que diz respeito a decisões que vão contra os interesses econômicos das big techs.

O grupo com foco apenas em negócios conta com a participação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), da Casa Civil, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Fazenda, e será coordenado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, que também está à frente do MDIC.

Alckmin já vinha liderando essa frente em meses anteriores. Em março, participou de reunião por meio de videoconferência com o secretário de Comércio, Howard Lutnick, um dos homens de confiança de Trump na guerra tarifária, e Jamieson Greer, que comanda a USTr, Representante Comercial do país.

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Em entrevistas desde o anúncio das tarifas de 50% por Trump na última quinta-feira (9), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mencionou respostas possíveis (veja mais abaixo) para o governo brasileiro, mas indicou que a ação inicial será a mesa de negociações.

Esse tem sido um apelo consensual de executivos de empresas e de dirigentes de entidades de setores afetados.

Segundo o vice-presidente da República, em declarações nesta tarde de segunda-feira (14), as duas primeiras reuniões do comitê de trabalho interministerial ocorrerão nesta terça-feira (15), na sede do MDIC, em Brasília.

O primeiro encontro, às 10h, reunirá setores industriais que têm relação mais direta de comércio exterior com os EUA, como empresas de aviação, aço, alumínio, celulose, máquinas, calçados, autopeças, entre outros.

Devem participar entidades setoriais e, em alguns casos, as próprias empresas. Um representante do Ministério de Portos e Aeroportos também deve comparecer.

À tarde, às 14h, empresas do agronegócio serão recebidas, incluindo setores que exportam suco de laranja, carnes, frutas, mel, couro e pescado.

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Nessa reunião, além das quatro pastas que integram o comitê, representantes do Ministério da Agricultura, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Pesca participarão das discussões de estratégia.

“Essa é a primeira conversa, mas nós vamos dar continuidade a esse trabalho. E vamos também marcar com entidades e empresas americanas, porque tem uma integração de cadeia [...] e elas também vão ser atingidas. Vamos conversar também com a Câmara de Comércio Exterior Brasil-EUA [Amcham]”, disse Alckmin.

Ele citou o fato de o Brasil importar carvão siderúrgico dos EUA para fabricar aço semiplano e depois vender esse aço de volta ao mercado norte-americano, que produz motores e outros produtos de maior valor agregado.

Segundo Alckmin, ele não foi procurado por autoridades americanas desde o anúncio de Trump, mas informou que, antes do anúncio das tarifas na semana passada, o governo brasileiro já havia encaminhado uma proposta sobre taxas comerciais para autoridades dos EUA.

“No dia 16 de maio foi encaminhada, até em caráter confidencial, uma proposta de negociação para os Estados Unidos e não foi respondida ainda”, contou Alckmin, rebatendo, portanto, críticas de que o governo teria adotado uma alegada conduta de não se antecipar ao anúncio das tarifas de Trump.

Estratégia de mobilização comercial

Segundo Alckmin, a expectativa é que a participação dos setores empresariais brasileiros diretamente atingidos pela tarifa ajude a mobilizar empresas norte-americanas igualmente impactadas.

O vice-presidente negou especulações de que o Brasil teria já solicitado uma redução da tarifa neste momento.

“O governo não pediu nenhuma prorrogação de prazo e não fez nenhuma proposta sobre a alíquota, sobre o percentual.”

“O que nós estamos fazendo é ouvindo os setores mais envolvidos, para o setor privado também participar e se mobilizar com seus congêneres e parceiros nos Estados Unidos, assim comoi o governo também o fará”, afirmou.

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Na lista de reações na mesa de alternativas do governo brasileiro estão entrar com uma queixa na OMC (Organização Mundial do Comércio), que possivelmente teria efeito mais simbólico do que prático em um primeiro momento, dado o rito processual prolongado da entidade para casos assim.

Outra possibilidade aventada pelo presidente da República foi acionar mecanismos da recém-aprovada Lei de Reciprocidade, que foi aprovada pelo Congresso em abril e em seguida sancionada pelo próprio Lula. A regulamentação da lei, necessária para que possa ser aplicada, foi publicada por meio de decreto nesta segunda.

A lei autoriza a adoção de contramedidas na forma de restrição às importações de bens e serviços ou medidas de suspensão de concessões comerciais.

Segundo o seu texto, o Poder Executivo, em coordenação com o setor privado, fica autorizado “a adotar contramedidas na forma de restrição às importações de bens e serviços ou medidas de suspensão de concessões comerciais, de investimento e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual e medidas de suspensão de outras obrigações previstas em qualquer acordo comercial do país”.

Frente de estratégia e negociações

Além de Alckmin à frente, outra pessoa-chave na mesa de negociações pelo governo e na definição de estratégia é a secretária de Comércio Exterior do MDIC, Tatiana Prazeres, que também participou de reuniões anteriores com os EUA.

Funcionária de carreira do ministério, ela tem mais de 20 anos de experiência na área de comércio exterior e atuou como Conselheira Sênior do então diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o também brasileiro Roberto Azevêdo, entre 2013 e 2018 - Azevêdo seguiu no cargo por mais dois anos.

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Pelo Itamaraty, há duas autoridades chave nas negociações - e da interlocução com o governo americano do ponto de vista diplomático: uma é o ministro Mauro Vieira, com longa experiência em particular nas relações com os Estados Unidos.

Ele foi embaixador do país em Washington de 2010 a 2015 e representante do país na ONU (Organização das Nações Unidas) entre 2016 e 2020.

Outra autoridade é o embaixador Mauricio Carvalho Lyrio, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e Sherpa (responsável por tarefas como definição de agendas, condução técnica de discussões e recomendação de estratégias em reuniões multilaterais) do Brasil nos Brics. Ele foi anteriormente secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty.

-- Com informações da Agência Brasil.

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