Bloomberg — O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tentou estabelecer uma disputa política ao arrastar o Brasil para o centro de sua guerra comercial. Ao fazer isso, ele ameaça as chances presidenciais daquele que os investidores acreditam ter a melhor chance de derrotar Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2026.
As políticas favoráveis ao ambiente de negócios do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o posicionaram como um potencial herdeiro de direita do ex-presidente Jair Bolsonaro, que está proibido de concorrer e enfrenta um julgamento sob a acusação de tentativa de golpe após sua derrota para Lula em 2022.
Mas o anúncio de Trump de tarifas de 50% exacerbaram as dificuldades de Tarcísio para equilibrar as prioridades conflitantes de quem ele precisa conquistar: a elite empresarial e os cidadãos comuns que arcarão com o peso das tarifas.
“Ele está equilibrando pratos demais e está ficando difícil manter todos girando”, disse Isabela Kalil, antropóloga da Escola de Sociologia e Política de São Paulo que estuda a ascensão da extrema direita.
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Tarcísio inicialmente tentou culpar Lula pelas tarifas, embora Bolsonaro tenha passado meses pressionando Trump por ajuda, à medida que seus problemas legais se agravavam. O presidente americano citou uma suposta “caça às bruxas” contra seu antigo aliado como justificativa para as tarifas.
Líderes de todo o espectro político criticaram Tarcísio por se aliar aos EUA; grupos empresariais em São Paulo exigiram respeito à soberania nacional; e um editorial do Estadão o criticou por recentemente usar um boné vermelho do MAGA (sigla para o slogan de Trump ‘Make America Great Again’) em uma foto no passado.
“Vestir o boné de Trump, hoje, significa alinhar-se a um troglodita que pode causar imensos danos à economia brasileira”, disse o jornal.
Tarcísio mudou de tom desde então. No dia seguinte à ameaça de Trump, ele chamou a atenção para os prejuízos enfrentados por São Paulo — sede de grandes empresas do agronegócio e dezenas de milhares de fábricas, incluindo a Embraer — antes de se reunir em particular com o principal representante dos EUA no Brasil.
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Isso agradou grupos do setor, que estimam que cerca de um terço de todas as exportações brasileiras com destino aos EUA vêm do estado mais rico do país. Taxas como as que Trump ameaçou tornariam o comércio insustentável, dizem muitos deles.
“Cinquenta por cento não é tarifa, é embargo”, disse José Velloso, presidente da Abimaq, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, que representa 9.000 empresas.
Mas isso irritou a base de apoio de Bolsonaro e os aliados alinhados a Trump, que veem as tarifas como uma pressão americana necessária para salvar o ex-presidente de seus problemas legais.
Eduardo Bolsonaro, que se afastou do Congresso para liderar o lobby da família em Washington, criticou os esforços diplomáticos de Tarcísio como “desrespeito” em uma entrevista na segunda-feira ao jornal Folha de S.Paulo.
Em uma publicação posterior nas redes sociais, ele pediu que Tarcísio se juntasse à campanha da família contra o Supremo Tribunal Federal, acusado de perseguir politicamente vozes de direita.
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“Mas como, para você, a subserviência servil as elites é sinônimo de defender os interesses nacionais, não espero que entenda”, disse Eduardo Bolsonaro, que tem se posicionado cada vez mais como um potencial sucessor do pai.
O gabinete de Tarcísio declinou de comentar esta reportagem. Mas ele afirmou no fim de semana que prevenir danos econômicos era muito mais importante do que fazer política.
“A gente precisa estar de mãos dadas agora para resolver, deixar a questão política de lado”, disse ele no sábado sobre a decisão de se juntar aos esforços para aliviar as tensões com o segundo maior parceiro comercial do Brasil.
A mais de um ano das eleições de 2026, Trump alterou os cálculos políticos em todo o Brasil. Tarcísio, que assumiu o cargo em 2023, rejeita qualquer sugestão de que esteja considerando concorrer. Mas, nos últimos meses, ele tomou medidas para consolidar o apoio de importantes eleitores conservadores, ao mesmo tempo em que tentava apaziguar as exigências de fidelidade de Bolsonaro.
E embora tenha boas chances de derrotar Lula em cenários eleitorais hipotéticos, o veterano esquerdista que tem lutado para conter o declínio de popularidade parece repentinamente rejuvenescido. Nas tarifas de Trump, ele tem apelado à mobilização contra a agressão dos EUA e um potencial bode expiatório para os problemas econômicos de seu país — a mensagem mais forte de Tarcísio.
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Desde a imposição americana, Lula apareceu na televisão usando um boné azul com letras maiúsculas brancas que diziam “O Brasil é dos brasileiros” e acusou seus rivais de buscarem uma intervenção estrangeira.
A aprovação de Lula subiu mais de dois pontos percentuais, chegando a quase 50%, após o anúncio das tarifas, com os brasileiros indicando que apoiam sua abordagem de confronto com os EUA, de acordo com uma pesquisa realizada pela AtlasIntel para a Bloomberg News e publicada na terça-feira.
“Aconteça o que acontecer, isso é um benefício para a popularidade de Lula em um momento em que ele parecia estar em apuros”, disse Andrei Roman, chefe da empresa de pesquisas AtlasIntel, com sede em São Paulo.
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Isso também só aumentará a pressão sobre Tarcísio, que provavelmente terá que escolher entre as empresas e os cidadãos de seu estado ou arriscar tudo para se manter próximo de Bolsonaro, disse Kalil, a antropóloga.
“Acredito que o dinheiro falará mais alto”, afirmou ela.
-- Com a ajuda de Daniel Carvalho e Beatriz Amat.
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