Bloomberg Línea — O agro brasileiro passará por mais um teste com a imposição das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos a partir de agosto.
A taxação anunciada por Trump afeta diretamente cadeias agrícolas que são conhecidas por ter no mercado americano um cliente cativo. É o caso dos exportadores de carne bovina, café, suco de laranja, etanol, açúcar e produtos florestais.
Enquanto o setor agrícola ainda estuda formas de mitigar os impactos das tarifas, caso entrem de fato em vigor, analistas e economistas apontam um cenário difícil para as exportações para os EUA, que representam o segundo principal destino dos produtos agro do Brasil, atrás apenas da China.
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No Brasil, os exportadores de café estariam entre os mais afetados.
“Tarifar o café é um jogo de perde-perde. É uma commodity que os EUA não produzem, e o Brasil é responsável por cerca de um terço das importações norte-americanas. Substituir esse volume no curto prazo é quase impossível”, afirmou Robson Gonçalves, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista à Bloomberg Línea.
Perda potencial de mercado em LatAm
A imposição de tarifas pelo governo dos EUA levanta a questão da concorrência na América Latina, com países como Colômbia (café), Paraguai e Argentina (carne) e México (suco de laranja) potencialmente ocupando o espaço brasileiro no comércio americano. No entanto, o cenário para cada commodity é complexo.
Embora traders possam buscar rapidamente alternativas ao café em outros países, incluindo da África, substituir o volume da produção brasileira é um desafio significativo, segundo Gonçalves.
Na América Latina, a Colômbia, por exemplo, produz cafés, mas em menor quantidade e com foco em grãos especiais.
Guilherme Morya, analista de café do Rabobank, explicou que, com a nova tarifa, o café brasileiro perderia competitividade no mercado americano, “uma vez que o aumento de custos para os importadores tende a favorecer outros produtores”, disse à Bloomberg Línea.
Para ele, países como Colômbia, Honduras, Etiópia e Vietnã podem ganhar espaço nas exportações para os EUA, especialmente em um cenário de estoques globais apertados.
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Produtos como etanol e açúcar, que compõem o complexo sucroenergético, tendem a ser redirecionados ao mercado interno, o que pode derrubar os preços pagos ao produtor, disse Gonçalves.
Impacto sobre a carne brasileira
Segundo relatório da consultoria Cogo, a carne bovina brasileira, atualmente taxada em 26,4% fora da cota anual, pode sofrer um acréscimo de até US$ 2.866 por tonelada caso a tarifa adicional seja aplicada de forma ampla.
No primeiro semestre de 2025, os EUA foram destino de 181,5 mil toneladas de carne bovina, com receitas de mais de US$ 1 bilhão.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os exportadores de carne suína, de frango e de ovos informou que, dos mercados que acompanha, o americano é o mais relevante para o setor de ovos - ainda que a maior parte da produção seja destinada ao mercado interno.
No primeiro semestre, 15,2 mil toneladas de ovos foram exportadas para os EUA e somaram receitas de US$ 33,1 milhões.
Para a carne suína, os EUA são o 12º principal destino das exportações brasileiras.
O Brasil não exporta carne de frango para esse destino. Para essa proteína, o principal mercado é a China, seguida pela União Europeia.
Suco de laranja
A consultoria Cogo estima que, no caso do suco de laranja, os custos de exportação podem saltar para até US$ 2.260 por tonelada, o que elevaria o prejuízo potencial a R$ 1,1 bilhão por ano.
A CitrusBR, associação do setor, alertou, em nota, que a medida pode afetar também a indústria americana de sucos, altamente dependente do Brasil.
Para o analista de suco de laranja do Rabobank, Andrés Padilla, o efeito deve ser de preços mais altos, o que ja se reflete nos futuros do suco de laranja.
Nesta quinta-feira, os contratos do suco de laranja concentrado e congelado (FCOJ, na sigla em inglês) para setembro de 2025 subiam 6,03%, a US$ 2,6385 por tonelada.
“Parte dos efeitos totais das tarifas terá que ser absorvida pela cadeia como um todo, pois os compradores dificilmente aceitariam uma alta de 50% de uma vez só”, disse Padilla à Bloomberg Línea.
O analista do Rabobank ressaltou que o país tem um market share global de 70% e que os EUA devem continuar a importar suco brasileiro, mesmo com preços mais altos. Porém a demanda pode sofrer um pouco.
Além das exportações
Gonçalves alertou que, embora os exportadores possam se beneficiar momentaneamente de um dólar mais alto, obtendo maior remuneração em reais no curtíssimo prazo devido a contratos já firmados, o setor agro como um todo tende a sofrer com a elevação dos custos.
Isso acontece porque insumos como fertilizantes, defensivos agrícolas e maquinário têm forte correlação com a moeda americana.
Além disso, o economista observou que, diante da perda de competitividade com a tarifa linear de 50%, os EUA devem buscar novos fornecedores.
“A capacidade dos EUA de substituir o Brasil é maior do que a nossa de encontrar novos mercados. A alternativa para o produtor brasileiro será direcionar parte da produção para o mercado interno, o que pode pressionar os preços domésticos e comprimir margens”, disse.
Decisão unilateral
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse, em nota, que a imposição de tarifas é “unilateral” e que “não se justifica pelo histórico das relações comerciais entre os dois países.
“Medidas desta natureza prejudicam as economias dos dois países, causando danos a empresas e consumidores. Qualquer análise das relações entre os Estados Unidos e o Brasil terá sempre que concluir que essas relações sempre serviram aos interesses dos dois países”, disse a associação em nota.
Gonçalves afirmou que as causas dessas tarifas são essencialmente políticas, configurando uma punição ao país.
Ele foi enfático ao dizer que a alegação econômica apresentada na carta de Trump é insustentável e que “beira a fake news mesmo [dizer que os EUA têm déficit com o Brasil, quando os números dos dois países mostram o contrário]”.
A escalada tarifária imposta pelos EUA também reabre a urgência da diversificação de mercados e da defesa institucional do agronegócio brasileiro, segundo especialistas do setor.
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