Lula ganha um grande presente inesperado de Trump para a eleição com suas tarifas

Alegação política e defesa de Jair Bolsonaro pelo presidente americano tendem a enfraquecer a direita no país enquanto permitem que o líder brasileiro mobilize o governo em torno do nacionalismo e se fortaleça a poucos meses das eleições

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Bloomberg Opinion — Era apenas uma questão de tempo: depois de ignorar amplamente o Brasil durante seus primeiros seis meses no cargo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, finalmente entrou na política explosiva do país.

Na quarta-feira (9), Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, vinculando-a aos problemas legais de seu amigo e aliado conservador Jair Bolsonaro, dizendo que as taxas mais altas eram “em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil às eleições livres”.

“A maneira como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Este julgamento não deveria estar ocorrendo”, escreveu Trump, referindo-se ao caso que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes vem julgando contra Bolsonaro por supostamente tentar um golpe de Estado após sua derrota apertada nas eleições de 2022.

Esqueça o fato de que os EUA têm um superávit comercial com o Brasil e que alguns de seus principais produtos entram no país latino-americano isentos de impostos: o ataque de Trump, que se seguiu a vários tiros de advertência nesta semana, enquanto o Brasil sediava uma cúpula dos países dos Brics, é uma intervenção desajeitada nos assuntos políticos, judiciais e econômicos do país, apenas 15 meses antes das eleições presidenciais.

Embora as consequências completas dessa abordagem da Casa Branca ainda não tenham sido vistas, o vencedor imediato do ataque de Trump é ninguém menos que o inimigo de Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Deixe-me explicar.

O temperamental ex-líder sindical vem provocando Trump há meses, instando-o a “pensar” antes de falar e acusando-o de “tentar se tornar um imperador do mundo”, entre outras provocações que ficaram sem resposta.

O fato de Trump ter mordido a isca neste momento é um presente para Lula, que fez carreira culpando os americanos por todos os infortúnios de seus governos — e do mundo.

Primeiro, porque os índices de aprovação de Lula estão perto dos mais baixos de seus três mandatos como presidente, o que significa que ele precisa recuperar a iniciativa.

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Segundo, porque o ataque de Trump veio depois que Lula embarcou em uma briga com o Congresso, efetivamente abrindo a campanha presidencial antes das eleições de outubro de 2026.

Para um governo que fez da tributação dos mais ricos e do ataque às elites um tema central de sua campanha, nada melhor do que uma briga com o Tio Sam.

Por fim, as ameaças chegaram após uma cúpula muito inofensiva e morna dos líderes dos Brics no Rio de Janeiro, dando ao governo brasileiro uma oportunidade de rebater aqueles que consideram o grupo irrelevante.

Trump pode não ter percebido, mas sua explosão contra o Brasil tem mais do que uma semelhança passageira com seu ataque ao Canadá: ao ameaçá-lo com tarifas exorbitantes, zombando de sua soberania e interferindo em seus assuntos internos, ele alimentou o nacionalismo, mudando o curso de uma eleição que parecia perdida para o Partido Liberal.

Algo semelhante pode muito bem acontecer no Brasil, onde Lula busca conquistar um quarto mandato histórico no próximo ano, apesar de lutar contra um declínio em sua popularidade e dificuldades econômicas.

É por isso que a maneira como Lula vai lidar com essa crise será tão crucial: sua primeira reação foi firme, mas vaga, prometendo “reciprocidade econômica”, se as tarifas de Trump realmente entrarem em vigor.

Esse tom é significativamente diferente de sua resposta no início desta semana, após a primeira publicação de Trump, quando Lula o acusou de interferir nos assuntos do Brasil e disse para ele cuidar da própria vida: “dê palpites sobre a sua vida e não sobre a nossa”, disse Lula.

O Brasil seria sensato em não se precipitar e não inflamar tensões que podem prejudicar ainda mais sua economia, como fez Gustavo Petro, da Colômbia, em sua briga com Trump.

De acordo com o Goldman Sachs, as exportações do Brasil para os EUA representam 2% de seu PIB, portanto as tarifas de Trump podem reduzir o crescimento do país em 0,3 a 0,4 ponto percentual — e isso sem considerar qualquer retaliação significativa.

Por que Trump decidiu entrar nessa briga agora, além de sua simpatia histórica por Bolsonaro?

A Casa Branca disse que o presidente acompanhou de perto a cúpula dos Brics; ele pode querer lembrar a todos que a oposição instintiva do grupo ao governo dos EUA tem um custo.

Antes do anúncio da tarifa ao Brasil, Trump também ameaçou aplicar uma tarifa adicional de 10% a qualquer país que se alinhasse com “as políticas antiamericanas dos Brics”.

Também é verdade que, desde que se mudou para os EUA no início deste ano, Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, tem sussurrado nos ouvidos dos funcionários da Casa Branca sobre os problemas de seu pai.

Moraes também tem inimigos poderosos em Washington, o que torna as coisas mais complexas.

Mas, sejam quais forem as razões, se Trump pensou que suas ameaças ajudariam Bolsonaro e prejudicariam Lula, ele deveria repensar.

Na verdade, o maior perdedor desse conflito é Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e aliado de Bolsonaro, que nas últimas semanas havia fortalecido sua posição como candidato à presidência no próximo ano, no lugar de seu mentor, que está legalmente impedido de exercer o cargo.

Tarcísio é o favorito dos investidores e da comunidade empresarial, que o veem como uma versão melhorada de Bolsonaro, mais tecnocrático e menos conflituoso.

Leia mais: Nova tarifa de Trump ao Brasil pode tirar até 0,4 ponto do PIB, diz Goldman Sachs

Mas, ao se pronunciar sobre o caso de Bolsonaro, Trump inadvertidamente prejudica as melhores chances da direita de derrotar Lula nas eleições, distraindo-a da organização de uma campanha presidencial sólida.

Os apelos de Bolsonaro para que Trump venha em seu socorro são uma tentativa desesperada de abrir caminho para concorrer no próximo ano — uma chance que ainda parece muito remota.

Se as tarifas exorbitantes de Trump forem finalmente implementadas, prejudicando os produtores brasileiros, o ex-presidente também pode muito bem ser culpado por buscar ajuda de um governo estrangeiro para seus problemas pessoais, independentemente das consequências para seu país.

Embora as pesquisas mostrem uma disputa acirrada, Lula provavelmente tem mais chances de vencer em uma revanche polarizada com Bolsonaro do que se enfrentasse Tarcísio.

Essas são apenas as primeiras de uma série de disputas entre a Casa Branca e o Brasil — basta esperar para ver como Trump reagirá se e quando Bolsonaro for realmente preso.

Sancionar Moraes, uma ideia sugerida pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, seria duplicar o erro de tentar moldar os acontecimentos em uma das maiores democracias do mundo.

Os EUA devem ponderar os custos e benefícios de uma abordagem tão desastrada: às vezes, a maneira mais inteligente de Washington promover seus interesses é simplesmente recuar e deixar as coisas seguirem seu curso, concentrando-se na diplomacia discreta em vez de arriscar uma reação imprevisível.

Esse é um perigo que o governo Trump também corre em outros países da América Latina, incluindo México e Colômbia, onde recentemente chamou de volta seu principal enviado em meio a relações cada vez mais tensas.

Washington pode querer acelerar mudanças nesses países para garantir mais aliados e políticas com ideias semelhantes — apenas para ver esses esforços saírem pela culatra, como certamente acontecerá neste caso.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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