Juro alto e incerteza fiscal frustram retomada de M&As, diz sócio do Pinheiro Neto

Carlos Lima, que lidera área de M&A, diz à Bloomberg Línea que, apesar de grandes operações, empresas em geral seguem cautelosas e que vigora um quadro de muitas operações de ‘distress’

Vista da região da marginal Pinheiros e da Berrini em São Paulo: fusões como as de Soma e Arezzo são uma minoria, segundo Carlos Lima, do Pinheiro Neto
13 de Maio, 2024 | 04:50 AM

Leia esta notícia em

Inglês

Bloomberg Línea — O apetite de empresas por fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) se mantém baixo em 2024, o que coloca em xeque a expectativa de uma recuperação do mercado depois de uma queda em 2023, de acordo com Carlos Lima, sócio do Pinheiro Neto e chefe da área de M&As do escritório de advocacia que liderou em assessoria legal de tais operações no país em 2023.

Em entrevista à Bloomberg Línea, Lima disse que 2024 caminha para ser muito parecido com 2023, que teve resultados abaixo dos anos anteriores.

De acordo com o advogado, alguns fatores mantêm as empresas cautelosas em 2024.

Entre eles, a volta da expectativa de que a taxa de juros nos Estados Unidos deve se manter em patamar elevado por mais tempo, a queda da Selic menor do que a esperada e as perspectivas de que o governo federal não irá cumprir a meta de zerar o déficit fiscal, o que mantém juros e inflação pressionados.

PUBLICIDADE

“Potenciais vendedores brasileiros, quando olham para esse cenário, têm menos apetite a fazer operações”, afirmou.

Leia mais: Este escritório decidiu apostar no mercado de venture capital. Agora colhe os frutos

Segundo o sócio do Pinheiro Neto, apesar de grandes operações que foram anunciadas neste ano, como as fusões entre Grupo Soma (SOMA3) e Arezzo, Petz (PETZ3) e Cobasi, e Enauta (ENAT3) e 3R (RRRP3), o volume total de negócios tem se mantido baixo, principalmente das operações entre empresas de capital fechado – que chamam menos a atenção e compõem a maior parte dos M&As no Brasil.

“A agenda não é aquela agenda otimista de empresas em busca de oportunidades, com processos competitivos e muito acirrados”, disse Lima, que trabalha no escritório há 40 anos e atuou como assessor legal em operações como a compra da Amil pela UnitedHealth e, depois, a venda da empresa para o empresário José Seripieri Filho, o Júnior, no ano passado.

“Há um quadro de muitas operações de distress. O mercado de capitais está fechado. Não temos IPOs há vários meses. Os poucos follow-ons que tivemos, fora a Eletrobras, foram quase todos sob a ótica de companhias com estruturas de capital desequilibradas e precisando captar para sobreviver.”

M&As em queda em 2024

Em 2024, foram realizadas 327 operações de M&A no Brasil, somando um total de US$ 10,6 bilhões, segundo dados da Bloomberg até 8 de maio. Os números representam uma queda de 11,2% em valor e uma redução de 6,2% em quantidade de operações em relação ao mesmo período do ano passado.

Os dados incluem operações propostas, completas ou pendentes de aprovação. Além de fusões e aquisições, também são incluídos os investimentos de private equity e venture capital em troca de participações minoritárias.

PUBLICIDADE

Em 2023 inteiro, foram 905 operações que somaram US$ 43,9 bilhões, uma queda anual de 26,1%.

O Pinheiro Neto ficou em primeiro lugar entre os escritórios de advocacia que prestaram assessoria jurídica para os negócios, responsável por 65 operações de US$ 10 bilhões (23% do total), segundo a Bloomberg.

Leia mais: Como a fusão de Enauta e 3R pode acelerar o movimento de M&A das ‘junior oils’

O sócio do Pinheiro Neto avaliou que as grandes fusões no varejo e em óleo e gás anunciadas em 2024 fogem à regra, pois envolveram em geral empresas de capital aberto com negócios complementares, que, juntas, podem ter mais competitividade do que operando de forma independente.

Além disso, a combinação de negócios pode trazer uma economia no pagamento de impostos, segundo ele.

“Possivelmente teremos outras operações com esse perfil, mas é uma minoria do universo de fusões e aquisições. Se tivermos três, quatro dessas por ano, já vai ser um ‘golaço”, disse ele. O Pinheiro Neto atua como assessor jurídico da Enauta na proposta de fusão com a 3R.

Um dos entraves para o aumento do número de negócios, segundo ele, é o desalinhamento entre vendedores e compradores em relação ao preço.

Segundo Lima, muitos vendedores se baseiam nos múltiplos de transações ocorridas no passado e criam expectativas de preço que não são necessariamente mais verdadeiras. Na outra ponta, os compradores não veem justificativa para pagar valores elevados em um ambiente de juros altos, com retornos atraentes da renda fixa.

“Hoje em dia o índice de mortalidade de operações que começam e não terminam é muito maior do que o de três, quatro, cinco anos atrás”, afirmou.

Setores aquecidos: de saúde ao financeiro

Nesse ambiente mais restrito, Lima disse que há algumas operações que ainda prometem movimentar o setor, entre elas a privatização da Sabesp (SBSP3), no qual o escritório também está envolvido.

Entre os setores nos quais as negociações continuam ocorrendo estão também energia, meios de pagamento, educação e saúde. No caso do segmento de hospitais e clínicas, Lima disse avaliar que o movimento de consolidação e aquisição de empresas de pequeno e médio porte por parte de grandes players tende a continuar.

Outro segmento que continua a passar por uma consolidação é o de empresas de serviços financeiros, como gestoras, family offices e assessorias, com empresas como BTG Pactual, XP, Bradesco e outros que atuam como consolidadores, na visão dele.

Leia mais: Com foco no cliente tech, Itaú BBA chega a 1.500 startups e prevê onda de M&As

“Nessa área devemos ter muito movimento em 2024 e para os anos que virão. Asset managers bem posicionados, mas de médio porte, inevitavelmente vão ser ‘engolidos’ por alguma estrutura. Family offices da mesma maneira”, disse.

O chefe da área de M&A do Pinheiro Neto disse avaliar que outra área com potencial de negócios é o segmento das chamadas “Bets”, a partir da regulamentação do setor de apostas pelo governo federal. Uma das exigências é que as empresas estrangeiras passem a ter bases operacionais no Brasil e, pelo menos, 20% de participação de sócios brasileiros.

“Há muito interesse de vários players nacionais e estrangeiros, que se organizam para, quando sair a regulamentação, já estarem com as suas estruturas prontas para operar no Brasil”, afirmou.

Apesar dos negócios potenciais, o Pinheiro Neto tem sido cauteloso e evitado fazer um movimento de expansão do quadro da equipe. Segundo Lima, atualmente são cerca de 40 sócios que atuam na área de fusões e aquisições e o escritório não tem sido agressivo nas contratações.

Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.