Crise da Americanas pressiona e encarece o mercado de títulos privados

Seis dos 10 emissores com pior desempenho na América Latina neste mês são empresas brasileiras, mostram dados compilados pela Bloomberg News

Turbulência no mercado de crédito acontece em momento de incerteza sobre o plano fiscal do presidente Lula
Por Vinícius Andrade
28 de Fevereiro, 2023 | 03:59 PM

Bloomberg — Os títulos corporativos brasileiros foram prejudicados em fevereiro após a eclosão da crise da Americanas (AMER3), enfraquecendo ainda mais as perspectivas de captação para empresas que já lutam com altos custos de empréstimos.

Seis dos 10 emissores com pior desempenho na América Latina neste mês são empresas brasileiras, mostram dados compilados pela Bloomberg News. As notas denominadas em dólar da Gol (GOLL4), da Atento e da Light (LIGT3) perderam pelo menos um quarto de seu valor, enquanto os títulos de Azul (AZUL4), Stone (STNE) e BRF (BRFS3) apresentaram perdas entre 10% e 15%.

A pilha de negociação de dívida corporativa do Brasil em níveis problemáticos - que rendem uma média de pelo menos 10 pontos percentuais a mais do que os títulos do Tesouro dos EUA, benchmark de segurança - subiu para US$ 11,9 bilhões, segundo dados compilados pela Bloomberg News.

Isso se compara a US$ 9,6 bilhões no final do ano passado.

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A inadimplência da varejista Americanas no começo de janeiro interrompeu temporariamente as vendas de títulos locais e levou à ampliação dos spreads, com os bancos adotando um tom mais cauteloso no ritmo de originação de crédito. A empresa com sede no Rio de Janeiro entrou com pedido de recuperação judicial com mais de R$ 42 bilhões em dívidas em 19 janeiro.

A Oi (OIBR3), que emergiu de uma das maiores reestruturações corporativas da história do Brasil no fim do ano passado, entrou com pedido de proteção emergencial dos credores no início deste mês. Espera-se que a operadora de telecomunicações peça recuperação judicial ainda nesta semana.

A turbulência ocorre em momento de incerteza persistente sobre o plano fiscal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os economistas esperando que a inflação e as taxas de juros do Brasil permaneçam altas por mais tempo. O governo de esquerda ainda não apresentou uma nova estrutura fiscal depois que o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas, foi descartada.

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“Estamos vendo uma dose de realidade: os cortes de juros podem não ocorrer até o final do ano, o crescimento do PIB terá dificuldade para ultrapassar 1% e a responsabilidade fiscal continua em questão”, disse Guido Chamorro, codiretor do setor de mercados emergentes e dívida cambial na Pictet Asset Management. O evento da Americanas e os primeiros sinais de Lula “provou ser uma combinação dolorosa para alguns emissores brasileiros”.

Empresas, incluindo a operadora de call center Atento, foram prejudicadas por custos de financiamento mais altos, e as agências de classificação de risco sinalizaram que, se a turbulência local não for temporária, os riscos de refinanciamento aumentarão significativamente.

Algumas empresas, como a Marisa (AMAR3), já recorreram a consultores financeiros para reestruturar obrigações de curto prazo.

Embora a maioria dos investidores não espere uma crise de crédito total, a fé nos tomadores de empréstimos corporativos no Brasil está se estremecendo e os mercados estão se preparando para reestruturações. O maior endividamento de famílias e empresas brasileiras aliado às perspectivas de crescimento lento podem manter o ambiente de crédito pressionado no curto prazo.

“O acesso a mercados de crédito sempre abertos e de baixo custo não deve ser dado como garantido daqui para frente”, disse Luis Olguin, gerente de portfólio de dívida de mercados emergentes da William Blair International em Londres. “Não vemos uma crise de crédito no Brasil, embora os prêmios de risco reflitam os eventos recentes e forneçam melhores pontos de entrada para créditos mais fortes.”

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