Mercado Livre segue em ritmo recorde, mas não prevê acelerar crédito em 2023

Margem operacional no quarto trimestre ficou em 11,6%, acima dos 6,8% esperados por analistas; receita chega a US$ 3 bilhões, em linha com projeções

Direção do Mercado Livre avalia que ainda não é o momento para acelerar o crédito novamente em 2023
23 de Fevereiro, 2023 | 06:06 PM

Bloomberg Línea — O Mercado Livre (MELI) atingiu as expectativas dos analistas com receita recorde no quarto trimestre de 2022 e melhorou índices de inadimplência no negócio de crédito, e isso antes do colapso da Americanas (AMER3). Mas ainda assim não está confortável com a situação macroeconômica para acelerar o aumento da carteira novamente depois de reduzir o ritmo na originação no ano passado.

É uma aposta diferente da adotada pelo Nubank (NU), fintech que também desacelerou o crédito em 2022, mas já enxerga um cenário para acelerar com os empréstimos em 2023.

O Mercado Livre divulgou seus resultados nesta quinta-feira (23), depois do fechamento do mercado, entregando uma receita recorde de US$ 3 bilhões para o quarto trimestre, em linha com o esperado pelos analistas consultados pela Bloomberg.

As ações chegaram a subir 5,2% minutos depois da divulgação no after hours da Nasdaq, mas a alta desacelerou para a casa de 4% por volta das 18h20 (de Brasília).

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O crescimento foi de 56,5% em moeda constante na comparação com o mesmo período de 2021. A receita líquida para o Brasil no quarto trimestre foi de US$ 1,5 bilhão, um crescimento de 34% ano contra ano, enquanto os analistas estimavam US$ 1,3 bilhão.

No ano, a receita líquida total atingiu US$ 10,5 bilhões e o Brasil representou cerca de 54% do total, com US$ 5,6 bilhões em 2022. Em entrevista à Bloomberg Línea, Richard Cathcart, diretor de Relações com Investidores para o Mercado Livre, disse que o último trimestre foi recorde tanto em termos de receita como de lucro, superando US$ 1 bilhão em lucro operacional pela primeira vez.

“Essa combinação de crescimento acelerado com rentabilidade é muito importante para nós. Foi bem equilibrado em todos os negócios. No Brasil nosso e-commerce cresceu 22% ano contra ano em moeda constante, o que é bem em linha com o crescimento que tivemos nos primeiros três trimestres do ano. Foi um nível de crescimento muito superior ao do mercado”, disse Cathcart.

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Segundo o executivo, a receita recorde teve como motivo a execução dos negócios de e-commerce e serviços financeiros. O volume total de pagamentos (TPV) por meio do Mercado Pago, braço fintech da empresa, cresceu acima de 100% pelo quinto trimestre consecutivo em toda a América Latina.

A margem operacional no quarto trimestre ficou em 11,6%, acima dos 6,8% esperados por analistas.

“Conseguimos entregar uma melhora significativa ano contra ano, superando as expectativas do mercado, e conseguimos melhorar um pouco a margem quando comparamos o quarto com o terceiro trimestre”, disse o diretor.

Ele atribuiu o resultado a maior eficiência no negócio de e-commerce, principalmente em gastos de promoções, marketing e logística, aliado ao desempenho da fintech.

“Conseguimos compensar o impacto negativo de sazonalidade no commerce com o desempenho em fintech”, afirmou. A empresa teve um GMV (volume bruto de mercadorias transacionadas na plataforma) de US$ 9,6 bilhões no trimestre. Analistas esperavam US$ 9,44 bilhões.

O Mercado Livre teve uma receita de commerce de US$ 1,7 bilhão, enquanto os analistas da Bloomberg esperavam US$ 1,64 bilhão. A receita para fintech também bateu as estimativas, atingindo US$ 1,3 bilhão, contra US$ 1,28 bilhão esperado.

A empresa também superou as estimativas para usuários ativo únicos, atingindo 96,6 milhões contra 90,4 milhões esperados, e em volume de pagamentos com US$ 36 bilhões, versus US$ 35,11 bilhões estimados.

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A estimativa de transações de pagamentos ficou em linha com o esperado: US$ 1,6 bilhão.

Impacto da Americanas

Depois que a Americanas entrou em recuperação judicial em janeiro, analistas esperam que o Mercado Livre se beneficie ganhando participação de mercado do concorrente. O e-commerce argentino não fornece guidance (projeção) para o trimestre atual, mas Cathcart disse que a empresa já vem atuando “em um mercado super competitivo, que continua sendo muito competitivo”.

“Nossa estratégia, mesmo com esses acontecimentos da Americanas, não mudou”, disse.

O calote da Americanas, que no começo do ano divulgou em fato relevante “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões em financiamentos a fornecedores que não estavam sendo contabilizados como dívida, fez com que bancos ficassem mais atentos em relação ao crédito garantido a varejistas.

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Cathcart disse que o Mercado Livre também faz “algumas operações de financiamento de fornecedores”, mas que “o volume é muito baixo, muito menor do que a Americanas estava fazendo”.

“Além disso todas as operações que fazemos são alocadas corretamente em contas a pagar, estamos confortáveis de que estamos fazendo a contabilidade certa. Não tem nada que fica fora do nosso balanço.”

Crédito, a palavra da vez

Com investidores preocupados com o aumento da inadimplência à medida que as taxas de juros seguem elevadas para conter a inflação, o Mercado Livre disse que sua carteira de crédito no quarto trimestre ficou estável quando comparada ao terceiro trimestre.

Em 2022, o Mercado Livre desacelerou a originação de crédito para conter o risco advindo de uma piora na situação macroeconômica no Brasil, o que fez com que o índice de inadimplência para pagamentos em atraso abaixo de 90 dias caísse de 13% no terceiro trimestre para 10% no quarto.

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“Isso é um sinal de que as medidas que tomamos no meio de 2022 tiveram o efeito desejado e tivemos um nível de lucro recorde no mercado de crédito. Estamos contentes com a qualidade dos ativos da carteira e do potencial de crescimento desse negócio ao longo dos próximos anos”, disse.

Cathcart disse que a empresa aumentou a proporção de consumidores de menor risco na carteira de crédito em todos os mercados. “Estamos focados nos clientes com menos risco e isso foi um dos principais motivos dessa melhora de inadimplência, não é só uma questão de um crescimento desacelerado”, explicou.

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Segundo o executivo, contudo, a empresa ainda não enxergou o momento para acelerar crédito novamente em 2023, diferentemente do que o Nubank disse em sua última divulgação de resultados.

“Vamos continuar monitorando o desempenho da nossa carteira e os fatores externos macroeconômicos. Só vamos começar a acelerar o crescimento de crédito de novo quando tivermos total confiança de que conseguimos fazer isso sem tomar risco.”

Por enquanto o cartão de crédito do Mercado Pago só está disponível no Brasil, mas está em uma fase piloto no México, lançado para as famílias de pessoas que trabalham na empresa. O plano é que o produto fique disponível para todo o país neste ano.

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“Estamos muito contente com o desempenho da companhia como um todo mas acho que particularmente no Brasil e no México, onde conseguimos ganhar participação de mercado no e-commerce e manter um ritmo de crescimento acelerado em fintech”, disse.

O desempenho na Argentina, contudo, foi mais fraco do que o esperado. Segundo o Mercado Livre, a Argentina mostrou tendências de volume mais fracas, com o crescimento de itens vendidos desacelerando em um terço.

A empresa atribuiu a situação no seu país de origem aos orçamentos dos consumidores que estão enfrentando “ventos contrários do aumento dos preços”.

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No Chile, o Mercado Livre disse que fatores macroeconômicos continuam impactando a operação, mas que o crescimento de volume de vendas está de volta ao território positivo.

Expectativas para 2023

O Mercado Livre teve um lucro US$ 165 milhões no último trimestre de 2022. No ano passado, a empresa processou mais de US$ 100 bilhões em pagamentos via Mercado Pago e registrou mais de US$ 10 bilhões em receita; e enviou mais de 1 bilhão de pacotes por meio da malha logística própria.

A empresa disse ainda que a logística continua sendo uma das principais áreas para investimento na América Latina. O foco é a malha própria, já que mais de 90% das entregas na região são feitas por veículos do Mercado Livre.

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“No Brasil, nós voltamos ao pico da penetração de fulfillment (40% de participação), que é a operação em que o Mercado Livre tem os produtos dos vendedores nos centros de distribuição e despacha assim que recebe o pedido. É a forma mais rápida para fazer essas entregas”, disse o diretor.

Ao longo dos próximos anos, a empresa pretende ampliar esse percentual no Brasil. No México já está em 70%.

“Não tem grandes novas estratégias na logística, mas ainda temos mais para fazer dentro das estratégias atuais. Continuamos investindo em tecnologia para fazer nossa malha logística cada vez mais eficiente e mais rápida”, disse.

A empresa aumentou as taxas de frete e as cobradas dos vendedores em dezembro de 2022. Essas mudanças já estão em operação.

Cathcart disse ainda que a empresa pretende investir no Mercado Ads, o negócio de publicidade no varejo, que está ganhando mais força no mundo inteiro em movimento liderado inicialmente pela Amazon (AMZN), que avançou com essa linha de receita que tem uma margem alta.

“Continuamos evoluindo o Mercado Ads, crescemos em um ritmo bem acima da média da companhia como um todo. A receita de Ads é equivalente a 1,4% do GMV e ao longo de 2022 dobramos o investimento em tecnologia atrás doe Mercado Ads. Temos um plano de lançamentos de tecnologia ao longo deste ano”, disse.

O diretor se disse otimista e que a empresa argentina entra em 2023 “com um ecossistema ainda mais forte e mais competitivo”.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups