Insubordinação a Putin pode salvar o mundo de uma guerra nuclear

Dentro das cadeias de comando, sejam elas nucleares ou convencionais, a insubordinação pode ser um fator tático

Por

Bloomberg Opinion — Enquanto estrategistas militares do Ocidente tentam prever uma possível escalada nuclear pelo presidente russo Vladimir Putin, eles também estão ponderando o papel que a desobediência poderia desempenhar. E se Putin der a ordem para a bomba nuclear, mas outros na cadeia de comando se recusarem a cumpri-la? Os Estados Unidos e seus aliados deveriam tentar influenciar esses indivíduos?

Cenários com presença de insubordinação – desde a objeção de consciência até motins – não são tão utópicos. Se Putin escalasse a guerra, ele o faria com as chamadas ogivas táticas. Elas estão atualmente armazenadas e teriam que ser transportadas para bases de lançamento e montadas em mísseis. Dezenas de oficiais teriam que assinar e transmitir a ordem, sabendo que as agências de espionagem ocidentais estariam observando cada um de seus passos.

Podemos pressupor que muitos desses oficiais terão dúvidas. Eles podem se opor à guerra de Putin contra a Ucrânia em seu íntimo. Eles podem não querer ser cúmplices de genocídios. Eles podem temer uma escalada descontrolada que leve ao apocalipse. Ou podem simplesmente estar cientes de que uma opção para o presidente americano Joe Biden é responder a uma bomba nuclear russa com um ataque militar convencional que destrói a base que disparou o míssil. Cumprir uma ordem de lançamento pode significar suicídio.

Outro potencial de insubordinação está em Belarus, onde os russos estão novamente reunindo tropas para ameaçar uma nova frente contra a Ucrânia. Em um cenário, Alexander Lukashenko, ditador de Minsk e lacaio de Moscou, enviaria suas forças bielorrussas para lutar juntamente com os russos contra os ucranianos.

“Tenho certeza de que ele daria a ordem ao exército bielorrusso para participar da invasão – se ele tivesse certeza de que eles lutariam”, conta Sviatlana Tsikhanouskaya, a líder exilada do movimento de oposição pró-democracia de Belarus. Mas Lukashenko não tem essa certeza. Tanto ele quanto Putin aparentemente acreditam que uma insubordinação em massa no exército do país é possível – talvez até provável.

Depois que Lukashenko roubou sua última “eleição” em 2020, um grande número de bielorrussos saiu às ruas para tentar derrubá-lo; eles também tomaram o partido de seus vizinhos ucranianos nos pedidos de entrada na União Europeia e na liberdade. Lukashenko reprimiu o movimento violentamente. Se ele ordenasse que suas tropas combatessem ucranianos, eles poderiam apenas trocar de lado e atacar os capangas do odiado ditador. Outra opção é deserção para lutar por Kiev.

A história está repleta de precedentes de atos decisivos de desobediência militar – por indivíduos ou regimentos inteiros. Durante a Batalha de Leipzig em 1813, todo o contingente de saxões que lutava por Napoleão repentinamente se virou no campo de batalha e se juntou à coalizão contra ele. Em março de 1917, a primeira das duas revoluções da Rússia naquele ano ficou séria quando as unidades de elite da Guarda Imperial se juntaram aos manifestantes.

Especialmente no contexto nuclear, mesmo um único indivíduo pode fazer a diferença. Stanislav Petrov era o oficial de plantão numa manhã de 1983, quando os computadores da União Soviética detectaram a aproximação de mísseis atômicos provenientes dos EUA. Ele tinha ordens para lançar imediatamente o ataque de retaliação. Agindo com base num palpite ele decidiu, em vez disso, que o alarme era um erro. Por alguns segundos aterrorizantes, ele apenas olhou para as telas que solicitavam o lançamento. Mas ele não o fez e nem relatou o alarme para seus superiores. Ao desobedecer, ele salvou o mundo.

Soldados têm de tomar essas decisões de consciência o tempo todo, mesmo quando o que está em jogo não é uma guerra nuclear. Em 2011, dois coronéis da Força Aérea Líbia foram ordenados a bombardear civis em Bengasi. Em vez disso, eles mudaram a rota e pousaram em Malta, onde pediram asilo. Dois dias depois disso, o piloto e copiloto de outro jato receberam a mesma ordem. Eles se ejetaram e deixaram seu avião cair.

A tensão entre obediência cega e insubordinação é muito antiga. Os superiores temem – com razão – qualquer ruptura nas linhas de autoridade – isso poderia levar a um problema na disciplina, na ordem e na capacidade de combate. Mas a obediência cega é pior. Os alemães que perpetraram o Holocausto afirmaram que “estavam apenas seguindo ordens”. Nem os juízes do Julgamento de Nuremberg nem o mundo acreditaram nessa desculpa. Após aprender uma lição direta, a Alemanha atualmente consagra a desobediência em circunstâncias específicas como um dever do soldado.

Os russos na era de Putin devem ter dilemas semelhantes aos que os alemães enfrentaram durante o Terceiro Reich. Qual é seu papel nos crimes do país? Quanto se permitirão saber? Eles se imporão quando for preciso? Será que desobedecerão ordens quando necessário? Aqueles que o fizerem – como Stanislav Petrov – podem acabar salvando o mundo.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Andreas Kluth é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre política na Europa. Já foi editor chefe do Handelsblatt Global e redator do Economist. É autor de “Hannibal and Me.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Parlamento italiano será liderado por uma mulher pela primeira vez