Como entender as previsões de mercado em tempos de guerra

O segredo é não prestar atenção à previsão em si, mas ao pensamento por trás da previsão

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Bloomberg Opinion — No final de 2019, quando eu tinha um programa de rádio transmitido nacionalmente, meus parceiros me pediram para fazer algumas previsões para o próximo ano relativas a ações, títulos, política, geopolítica e alguns outros tópicos. Eu protestei, dizendo que era impossível olhar para um ano inteiro com alguma clareza e que aquilo poderia nos colocar numa situação constrangedora. Perdi a discussão e consegui criar uma lista de 12 previsões. A maioria delas acabou sendo terrivelmente equivocada.

Eu disse que o ouro superaria as ações em 40% - e isso aconteceu! Mas apenas por um momento durante os primeiros dias da pandemia. Também previ que os preços do petróleo provavelmente subiriam muito (na verdade, ficaram negativos pela primeira vez na história, caindo para menos de US$ 40 por barril), e que Donald Trump ou Bernie Sanders venceriam a eleição presidencial. Previ corretamente que o Federal Reserve cortaria as taxas de juros, mas estava certo pelas razões erradas.

Essa é a natureza da previsão. Desenvolve-se uma tese lógica e bem pensada e então acontece algum evento exógeno que estraga tudo – como a Rússia invadindo a Ucrânia e derrubando os mercados globais. Economistas e estrategistas sabem disso muito bem. Tanto que alguns os consideram não mais que “artistas do entretenimento”.

A mesma coisa está acontecendo novamente este ano. O petróleo está nos passando para trás novamente, subindo para US$ 100 por barril, o que poucos profissionais dessa área previram (embora algumas contas do Twitter tenham acertado). As taxas de juros estão em alta, enquanto a multidão pessimista de plantão continua prevendo deflação e taxas negativas. E o ouro estourou para o lado positivo, justamente quando todos haviam desistido dele.

Uma coisa que se tende a notar nas previsões de Wall Street é sua forte tendência central. Em 2021, quase todos os economistas de uma empresa de Wall Street estavam prevendo que a inflação seria de cerca de 2% (na verdade foi 7%) e que o produto interno bruto expandiria cerca de 4% (expansão foi de 5,6%). A razão para isso é porque se você for um daqueles que faz uma previsão fora da curva e estiver errado, então sempre vai ter um acerta vergonha associada à sua previsão. Não há nada pior do que estar errado e sozinho. Mas se você estiver errado junto com todos os outros, então isso é aceitável. E os benefícios de estar certo e sozinho não superam a desvantagem de estar errado e sozinho.

Há muitas pessoas inteligentes na profissão que têm coisas inteligentes a dizer. Ninguém monta uma negociação com base na previsão de que o índice S&P 500 terminará o ano em 5.000 ou a inflação será de 3%. Em vez disso, o valor pode ser encontrado no processo de raciocínio que entra na previsão. Os estrategistas não tiram um número da cartola; há muita pesquisa e deliberação para se chegar nele. Tentar prever se a atividade econômica aumentará ou diminuirá é quase impossível porque o que realmente se está tentando fazer é prever o comportamento humano, que é inteiramente baseado na psicologia. Os seres humanos são notoriamente imprevisíveis.

Então, como usar a enxurrada de previsões econômicas? O segredo é não prestar atenção à previsão em si, mas ao pensamento por trás da previsão. As coisas boas estão na página 83 do relatório de pesquisa, não na previsão de fim de ano do S&P 500 na primeira página. Os estrategistas de renda fixa e ações são pessoas atentas e talentosas, que passam longas horas analisando milhares de informações econômicas para fazer suas previsões. As metas de fim de ano do S&P 500 são uma espécie de piada recorrente em Wall Street, mas a pesquisa sobre isso é fascinante.

Não é responsabilidade de Wall Street apresentar melhores previsões. As previsões são boas, mas são inutilizadas pela chegada constante de novas informações. A responsabilidade é dos usuários finais de passar algumas horas investigando a pesquisa. Muitas pessoas desprezam análises do lado da venda - ou sell side - mas elas servem a um propósito, principalmente ao coletar e agregar grandes quantidades de dados e apresentá-los de maneira utilizável.

Quem adivinha corretamente o nível futuro de um índice de ações, taxas de juros ou o preço do petróleo provavelmente teve sorte. Não é nada para ser comemorado. O que deve ser celebrado é trazer informações que fazem com as que as pessoas fiquem mais inteligentes, e os verdadeiros líderes de pensamento de Wall Street são capazes disso.

Jared Dillian é editor do The Daily Dirtnap, estrategista de investimentos na Mauldin Economics, e autor de “Street Freak” e “All the Evil of This World.” Ele pode ter conflito de interesses nas áreas em que faz cobertura.

– Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

– Esta coluna foi traduzida por Marcelle Castro, Localization Specialist da Bloomberg Línea.

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