Bloomberg Línea Ideias — No fim de janeiro, a Activision Blizzard (ATVI), uma das principais desenvolvedoras de games do mundo, foi adquirida por US$ 68,7 bilhões de dólares pela Microsoft (MSFT). Foi o maior negócio já realizado na história dos jogos eletrônicos e um dos maiores até mesmo no setor de tecnologia. Para entender um movimento dessa dimensão, basta lembrar que o mercado de games é o dobro do audiovisual e, não por acaso, tem atraído a atenção de marcas interessadas nas oportunidades de se conectarem com o público gamer.
Os números são mesmo impressionantes. Segundo a consultoria Newzoo, esse mercado movimentou em 2021 em torno de US$ 180 bilhões, com cerca de 3 bilhões de jogadores no mundo todo. Mas essa visão panorâmica é apenas um pedaço da história. As marcas precisam compreender que o setor atrai um público muito fiel, mas extremamente diverso, com perfis e comportamentos diferentes de um jogo para outro, de uma plataforma para outra, para citar apenas duas variáveis.
A última edição da Pesquisa Game Brasil (PGB), de 2021, oferece ótimos exemplos sobre a fidelidade do público. Ela aponta que 72% dos brasileiros têm hábito de jogar jogos eletrônicos, 68% têm nessa atividade seu principal entretenimento e 61,6% se consideram gamers, indicativo de adesão fiel a esse universo.
A PGB também traz dados sobre a diversidade dos jogadores brasileiros. As mulheres são mais da metade do público de jogos eletrônicos (51,5%), quase 50% dos jogadores estão na faixa de renda da classe C ou mais baixas, metade se declara preta ou parda e um quarto tem entre 35 e 49 anos. Ou seja, nada mais longe do estereótipo de gamer adolescente.
Pesquisa mostra diversidade dos jogadores brasileiros, muito longe do estereótipo de gamer adolescente
E-sports e público fiel
Os jovens formam sim um perfil real de jogador como também é uma mulher de 35 anos que se entretém com o Candy Crush no celular no transporte público. Ou um pai disputando partidas de futebol com o filho.
Nos últimos anos, o universo gamer deixou de compreender apenas a atividade de jogar para incluir também os espectadores, apaixonados por acompanhar e torcer. Isso criou todo um novo mercado de e-sports, em que o público acompanha ao vivo disputas entre equipes em jogos como League of Legends, CS GO, Free Fire entre outros.
Além do ao vivo, é muito comum e grande o consumo on demand desses eventos, muitas pessoas fazem isso por diferentes razões: aprender a jogar melhor como um profissional, estudar outros estilos ou apenas se entreter - uma vez que não conseguiu acompanhar um evento ao vivo, por exemplo. E há quem veja apenas uma pessoa, o streamer, jogando.
Há influenciadores que construíram uma base de milhões de fãs assim, base essa engajada e muito receptiva à influência que esse streamer pode gerar nelas.
Todos os games citados aqui são extremamente populares, com um público fiel e heterogêneo, o que traz grandes desafios para as empresas que querem introduzir suas marcas nesse território e se relacionar com uma megacomunidade. É preciso primeiro identificar com quem querem conversar, afinal, é essencial conhecer a linguagem e os signos de cada cluster de jogador, entender hábitos, comportamentos, desejos e necessidades para só então construir um relacionamento legítimo, que reconheça as particularidades de cada grupo.
Por exemplo, os jogos The Sims e Cities: Skyliness têm o mesmo princípio básico, construir cidades. No entanto, ao ouvir seus jogadores, descobrimos que eles têm gostos diferentes. Os primeiros, segundo a Newzoo, se interessam por cartoons e desenvolvimento de relações. Já os demais se interessam por gestão de recursos e experiências realistas.
Gamers apaixonados, por sinal, são pródigos em perceber quem é novato ou não sabe nada sobre a cultura em que estão inseridos. Um bom teste é conversar sobre o metaverso. A “novidade” há muito já era uma realidade para um número grande de jogadores, acostumados a criar avatares em mundos fantásticos onde podem interagir com outras pessoas virtualmente.
No setor financeiro, houve um reconhecimento de que os bancos precisavam conhecer mais a fundo esse universo. O Itaú, por exemplo, criou uma plataforma em que desenvolveu uma série de iniciativas, depois seguida por outras empresas com interesse no público gamer, como patrocínio a equipes de jogos como Fortnite e Free Fire, criação de um curso de economia com o CS:GO como pano de fundo, além de apoio a desenvolvedores independentes de jogos e campeonatos de Free Fire, como o Game Changer e o Taça das Favelas. A ideia foi utilizar um conceito de lego, empilhar iniciativas complementares que conseguissem dialogar com a comunidade gamer em diferentes níveis e franquias de jogos.
Todas essas experiências abriram um importante canal de diálogo e sobretudo de escuta, para que fosse possível compreender quem mobiliza o cenário gamer nacional e, daqui para a frente, construir juntos novas soluções, produtos e serviços financeiros que sejam relevantes, tenham valor e façam sentido para essa comunidade.
O mundo dos games é vasto, reúne milhões de consumidores e revela inúmeras oportunidades para as marcas que souberem ouvir, pedir licença para entrar e oferecer algo em troca, estabelecendo uma relação de confiança e de ganhos para ambos os lados.
Por um lado, é importante dar visibilidade para as inúmeras histórias de superação oriundas desse universo, reforçando o papel de escuta ativa. Por outro, é preciso muita humildade para aprender e construir juntos.
E falando em aprender, o metaverso, como mencionado, não é novo, já existe e acontece bem embaixo do nosso nariz de diferentes formas e em variados contextos. A questão é aprender a utilizá-lo como canal para sua marca. Ele é mais um ponto de contato com as pessoas, possibilitando uma experiência imersiva e eventualmente mais completa, uma vez que se entendam as dinâmicas de como fazer isso de maneira nativa e fluida.
Para isso é necessário um modelo mental de testar e experimentar, sempre objetivando o valor que você vai agregar na ação, projeto ou iniciativa - o foco deve ser sempre na visão do usuário. Marcas estão a serviço do cliente para gerar valor e conveniência, e para devolver tempo à vida das pessoas. O mantra deveria ser esse no metatarso ou em qualquer ambiente em que uma empresa se proponha a estar.
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